quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A escola que trabalhamos X a escola que queremos


Hoje meu dia foi muito triste... Dia Nacional do Surdo, amanheço ao lado da minha filha e a primeira coisa que ela faz é me desejar: "Feliz dia do surdo!". Vale dizer que aqui em casa sempre foi assim, o dia do surdo sempre foi comemorado, ela ganha presente, como mães ganham no dia das mães, crianças no dia das crianças... Sempre achei legal mostrar para ela que era algo para se ter orgulho... Respondi com alegria e disse para ela que tivesse um dia feliz também. Acho que já falei aqui umas mil vezes que a caminhada profissional que tive foi por ela. A militância que tenho na causa surda já existe há algum tempo, mesmo que tímida, mesmo que quase insignificante...
É exatamente por isso que ando sem vontade de ir trabalhar, é exatamente por isso que hoje compreendo que essa luta muitas vezes será - e é, de fato - solitária. As pessoas, os profissionais com quem trabalho, jamais conseguirão encontrar o lado humano nessa minha militância. Nunca!
Então eu fui trabalhar, mesmo sem vontade, cumprir hora, burocracia, essas coisas. Gosto do que eu faço, sou formadora, nasci para formar opiniões, para incentivar a criticidade, me vejo como educadora social, este é o meu perfil,  por todo o senso crítico que já construí ao longo de minha trajetória, mas confesso que ultimamente trabalhar me tem sido pesaroso, não por conta dos alunos, mas por conta dos colegas, sim, isso mesmo, dos colegas e das coisas que tenho visto dentro da escola. Tivemos uma palestra sobre inclusão, só para as turmas do Magistério, um discurso meio falido, de normalização dos sujeitos com deficiência, mas, enfim, vindo de uma pessoa que trabalha com atendimento clínico não poderia esperar outra coisa - hoje entendo que é importante analisar o lugar de onde as pessoas falam, antes de simplesmente criticar. Mas, enfim, interpretei toda a palestra para minha aluna e deixei claro para ela que a inclusão dos surdos jamais se dará por este viés.
Eis que, cansada com as duas horas e pouco de interpretação e já meio que vencida pelo discurso de norma e governamento dos sujeitos presente em todas estas falas sobre inclusão que tenho visto, surge uma atividade alusiva ao dia do surdo no intervalo, que reuniu uns poucos alunos ao redor da outra intérprete que atua na escola e que simplesmente se propôs a ensinar o alfabeto em Libras no pátio, distribuindo folders com o alfabeto, sem sequer contextualizar essa atividade com todo o movimento que tem acontecido no Brasil inteiro, em prol da escola bilíngue e à importância da língua de sinais aos sujeitos surdos. Se eu participei? Não. Não por orgulho, mas por ideais. Não gosto de coisas soltas, fragmentadas, o que adianta fazer uma atividade destas e manter a escola à parte no restante do tempo de todas as questões que envolvem estes sujeitos? Esta atividade, dentro de uma escola que se narra inclusiva, deveria ter sido pensada por todas as intérpretes que nela atuam, por uma questão de respeito e consideração para com os alunos surdos. E na parte da manhã, foi feito algo parecido? E o aluno que estuda de manhã não merecia tamanha consideração? Ando cansada de coisas vazias, de fazer por fazer... Colocar surdos a sinalizarem o hino sem sequer saberem o que estão sinalizando, sem ter trabalhado isso antes com eles, pelo simples fato de que isso, sim, aparece, isso, sim, emociona aos leigos que desconhecem a cultura surda. E volta a visão assistencialista da surdez, volta a "pena", a socialização como ponto de partida para a inclusão... 
Bom, à noite, tive reunião na escola do meu filho, reunião com pais para pontuar algumas questões e tive que sair de lá, vir embora, porque me vi sufocada, impossibilitada de falar o que estava sentindo. Mas lá vi o mesmo discurso, a mesma fala que tenho visto o tempo inteiro: participação da família, culpabilidade, a escola sempre tirando a responsabilidade de suas costas, sempre se omitindo e posicionando-se na defensiva... Em vários momentos tive vontade de dizer: mas e vocês não falam mal uns dos outros, vocês não falam mal dos pobres alunos nos Conselhos de Classe, vocês não usam mais aqueles diários de classe amarelados para darem suas aulas? Sempre falo em mediocridade, mas hoje concluí que a escola em que trabalho e as outras estão muito abaixo da linha da mediocridade... muito abaixo de uma média. A proibição de uso de mídias dentro da escola só mostra o quanto os educadores estão despreparados para lidarem com os alunos de hoje. Crianças que já nascem usando o computador e outras tecnologias se veem presas aos cadernos e canetas por quatro horas do seu dia. A escola se fragmenta, se desloca e mantém-se desconectada do mundo no qual nossos alunos estão inseridos. E querem disciplina, querem alunos quietos, acríticos, que façam atividades sem reclamar, sem questionar... ao mesmo tempo em que reclamam da apatia... pode uma coisa destas? E, a cada dia que passa a escola em que trabalhamos está muito mais longe de ser a escola que queremos... por estes e outros muito motivos. Nos contentamos com alunos apáticos, desde que saibam ler e façam as atividades, desde que nos deixem fazer o nosso trabalho, sem incomodar. E é isso que teremos, isso que iremos colher num futuro não muito distante. Serão estes os nossos frutos! A vocês, professores que batem no peito dizendo que a nossa profissão é a base de todas as outras, tenham em mente que os políticos corruptos também tiveram professores, que o médico que atende mal seus pacientes também teve professores e que aquele cidadão que não se levantar do assento especial para que você possa sentar-se quando estiver idoso, também tivera professores. Afinal, se somos a base de outras profissões, não poderemos reclamar da mediocridade presente no resto do mundo, quando nos contentamos com ela! E o dia do surdo? Bom, ele significa muito mais do que aparenta, muito mais há nele do que a Libras... Busquem informações, antes de acharem que a festividade se limita aos muros da escola!



segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O que faz de vc uma bruxa?

Ontem fiquei pensando sobre algumas questões... Meu processo de iniciação começou há muito tempo quando eu conheci a minha então Mestra e fui conhecendo e me apaixonando pelas práticas pagãs... Nada foi instituído, tudo foi acontecendo naturalmente e aprendi com ela que a magia está dentro de cada uma de nós, pelo simples fato de sermos mulheres e concebermos a vida... Mas nem todas tomam consciência disto, infelizmente...
Minha relação com a natureza sempre foi muito estreita, desde que eu era muito pequena, sempre amei os animais, sempre me preocupei com a manutenção e preservação e isso com certeza fez com que me reconhecesse na maior parte das práticas pagãs... A magia entrou na minha vida como se sempre tivesse feito parte dela...
Li "As Brumas de Avalon" com 16 anos, pela primeira vez, e me apaixonei definitivamente pelas personagens que, assim como eu, também tinham a Deusa em seu sangue... Deusa Mãe, Deusa Lua, Gaia, Mãe Terra, Deus galhudo, Deus Sol, tudo parte do Uno, tudo um só e todos em nós e por nós...
Respeito ao próximo e ao livre arbítrio, à liberdade como um todo, às diferenças, aos diferentes seres que são criações do divino, assim como nós somos, ensinei estes valores aos meus filhos, independentemente de crença religiosa...
Independente dos Sabaths e Esbaths que nem sempre tenho disponibilidade para realizar, me considero parte do Cosmos e, como tal, jamais interfiro nas coisas naturais... Tem gente que pensa que bruxa tem muitos amantes e não tem dificuldades no amor por conta de seus feitiços, mas estão redondamente enganados. A magia jamais interfere na ordem natural das coisas, somos atraentes exatamente pelo fato de não termos medo de mostrar a nossa essência, não usamos de subterfúgios para seduzir e muitas vezes seduzimos exatamente por não termos esta intencionalidade.
A única coisa que se refere a nós bruxas, que as pessoas deveriam entender, é que conhecemos a ordem enrgética do Universo tão, mas tão intimamente, que simplesmente nos protegemos do mal que podem nos causar com o pensamento. Sim, porque pensamento também é energia e, se for negativo, pior ainda... Mesmo sabendo que faz mais mal a quem tem, mesmo sabendo que não nos afeta, estamos fechadas a isso. E também por conhecermos o Universo energético em que vivemos é que procuramos fazer o bem, a quem quer que seja, sem pré julgar, sem pestanejar, pois sabemos que aquilo que damos volta em triplo para nós, é a Lei do Retrono Triplo que rege nossas práticas. Conhecemos isso tão bem que não precisamos de dogmas sistematizados para nos orientar. Entendemos que somos unos com o mundo, que a mesma Mãe que nos gerou também gerou todas as coisas vivas que nos cercam e, enquanto parte deste ciclo sem fim, não podemos agir de forma a desequilibrar isso.
Então, não é o fato de usar um pentagrama que faz de mim uma bruxa, não é me proteger com pedras, ser uma bruxa requer que você se reconheça como tal, requer que vc enxergue a Deusa que há em você e em todas as coisas criadas... Poderia passar dias descrevendo o quanto a minha avó também o era, e minha bisavó e minha tia... De modos diferentes, em tempos diferentes, mas com práticas benevolentes muito maiores do que as que qualquer religião prega. Poderia ficar discorrendo aqui no quanto esta história me atravessa e me constitui enquanto pessoa, enquanto bruxa que sou e que assumo que sou, sem vergonha - e por que deveria ter? Mas não, prefiro apenas esclarecer que amuletos e tatuagens não fazem bruxos, são as práticas e vivências, estudos e experiências que farão você retomar a magia que habita você, mesmo que você não saiba...

sábado, 15 de setembro de 2012

Despedida de quem se ama

Falar numa despedida é muito difícil, mas, quando nos despedimos de um amigo, fica quase impossível descrever em palavras o que e como sentimos... Estes dias falei sobre a finitude das coisas em um outro local, no quanto estarmos preparados para as perdas nos faz mais fortes, mas há perdas que preparo nenhum consegue diminuir a dor...
Hoje pela manhã senti falta de um dos meus felinos, antes de sair para trabalhar... Procurei-o por toda parte, em vão. A única coisa que permanecera aberta durante a noite foi a janela, então, bateu um desespero quando me deparei com a possibilidade de ele ter caído e ter sido pego pelo cachorro, ou ter sido levado embora como outros já foram. Saí na rua para buscá-lo, em vão. E, assim, sufocando a dor que isso me causou, saí para trabalhar, guardando ela lá no fundo, pois ainda me restava uma esperança de que ele aparecesse durante minha ausência. Cheguei em casa e nada... e a dor se intensificou, abriu caminho aqui dentro e irrompeu...
Sei que parece bobagem, aos olhos de algumas pessoas realmente pode ser... Mas, para mim, que, em primeiro lugar, tenho uma relação de amor com a natureza como um todo e que, em segundo lugar e não menos importante, considero os meus bichos parte da minha pequena família, isso me afeta como se eu realmente estivesse perdendo alguém muito próximo, que deixará espaços vazios difíceis de serem preenchidos. 
Reconheço em cada um deles suas personalidades, cada um deles tem um jeito próprio de se relacionar com as pessoas e com o ambiente em que vive... Rudolf era arisco... Procurava colo poucas vezes, mas sempre estava ao meu redor, onde quer que eu estivesse. Se estava no computador, ele se deitava sobre a tela, se ia tomar banho, ele deitava sob o tapete do banheiro e algumas vezes se arriscava a adentrar o box para tomar água, se eu ia estender roupas na área, era o momento que ele aproveitava para usar o seu "banheiro". Ficava sozinho e miava pela casa, como que dizendo que a solidão não o acalentava... Precisava e gostava de companhia, mesmo que fosse apenas de longe... No dia a dia, era o parceiro do Kowalski para tudo, tinham noites que os dois passavam a madrugada inteira correndo pela casa, brincando...
Agora ficam os espaços vazios, como outrora já disse que ficam quando alguém que amamos vai embora, os espaços vazios e as lembranças... Difícil descrever a dor que isso causa, é inominável. Terei 10.000 gatos e cada um me fará sofrer igual, cada um deixando um espaço vazio diferente do outro, mas sempre deixando... Escrevo essas palavras com lágrimas nos olhos e sei que elas permanecerão por dias, longos dias, enquanto eu olhar para os lugares que ele gostava, enquanto as lembranças ainda estiverem tão vivas que quase poderei tocá-las... Tenho o Kowalski e tenho o Sr. Frodo, mas em nada a falta do Rudolf será compensada, pois cada um é um, suas subjetividades são muito diferentes e o modo de se relacionarem comigo também. 
Outro dia eu disse que ninguém é insubstituível... Hoje revejo minhas palavras e vejo o quanto alguns seres o são em nossas vidas... Em outubro do ano passado perdi meu Mustapha e fugi de casa, literalmente, pois não sabia como seria voltar e ter de lidar com os espaços vazios que ele deixara... Hoje eu tive de voltar, voltar e ver a tela do computador vazia, o ar triste e o Kowalski desolado... O Luan, meu filho, na rua procurando, mesmo que a esperança se desfaça um pouco mais a cada investida... Vou ter de lidar com isso. Porque é assim que os adultos devem lidar com a dor: enfrentando, não fugindo. Embora toda uma parte de mim queira esvair-se e entrar numa concha, virar uma ostra... Quero ir embora, quero novas lembranças, quero consolo pro que eu estou sentindo... mas sei que não há... Então me resta sentir, chorar e esperar que a dor vá virando uma saudade e que a saudade vire nostalgia e que um dia eu possa olhar para as lembranças sem lágrimas nos olhos...
Que a Grande Mãe te carregue em seus braços, meu amor, e saibas que, onde quer que você esteja, você foi muito amado por esta família! Luz e paz...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Práticas dos TILS dentro da escola

 
Estive pensando por estes dias sobre algumas práticas envolvidas nos afazeres diários dos quais eu faço parte... Sou intérprete de Libras. Não porque tenha formação específica ou porque tenha passado no ProLibras, mas porque minhas vivências com a surdez me deram esta formação... Diplomada sou mesmo em Pedagogia em Educação Especial, o que faz de mim também uma professora. Trabalho numa escola do Estado, sendo assim, conheço toda a problemática do ensino público do qual faço parte. Salários baixos, falta de recursos, escola sucateada... Pois bem... Já falei nisso em outros momentos...
Mas, por outro lado, não posso me abster de falar que a coisa não é assim tão grave quanto a maioria pinta por aí. O governo dá formações continuadas ao professorado que muitos não aproveitam, a escola recebe recursos que muitas vezes são mal direcionados por uma gestão equivocada... Mas nem é isso que quero debater aqui...
Como intérprete, aprendi que devo ser imparcial, que a neutralidade deve fazer parte do meu trabalho e que jamais poderei agregar quaisquer juízos de valor aos acontecimentos do dia a dia. Mas, como professora, aprendi que não há neutralidade no ato de ensinar/aprender. Então, sem dissociar a professora da intérprete, vejo que a pedagogia está envolta das nossas interpretações também e da interpretação de mundo que fazemos sentir através delas.
Citando Freire, "Não existe educação neutra, toda neutralidade afirmada é uma opção escondida." Sendo assim, entendo que, ao atuar dentro de sala de aula, o(a) intérprete já não poderá ser apenas intérprete, ele(a) terá de ter um olhar pedagógico centrado e baseado em práticas que contribuam de forma efetiva na formação destes sujeitos com quem trabalha. 
O governo entende que, dentro dos processos de inclusão, o(a) intérprete dá condições de igualdade com os ouvintes aos sujeitos surdos. Dentro desta lógica, apenas a interpretação das aulas na língua de sinais viabilizaria o aprendizado da mesma forma que os outros aprendem. Isso não é possível. Definitivamente. Quem conhece a cultura surda sabe. Eles são sujeitos culturais, que vem de um histórico peculiar de vida pessoal e escolar. E isso deve ser considerado quando falamos em processos educacionais.
Desta forma, o olhar deste profissional deve ser diferenciado, deve contemplar as necessidades dos educandos como um todo, pois o(a) intérprete é a voz destes sujeitos em todos os outros espaços e não apenas na sala de aula.
Em mês de manifestações acerca da surdez e de colocações midiáticas errôneas, penso que é muito necessário que se (re)façam as reflexões a fim de que haja um esclarecimento e para engajar a luta pelo fim das práticas arbitrárias.
Sabemos que a inclusão dos surdos certamente se dá por um outro viés que não é o mesmo das outras inclusões, afinal, não estamos tratando de um déficit, mas sim de uma questão cultural que deve ser preservada e mantida. Os intérpretes são também mantenedores dessas especificidades. E é este o ponto que quero chegar. Não podemos nos abster de representá-los enquanto parte de sua comunidade, enquanto pessoas especializadas na área. Devemos ser propagadoras das informações, com a finalidade de acabarmos de uma vez por todas com as tentativas de normalização pelas quais eles passam no seu dia a dia, em suas casas, em seus locais de trabalho, na sociedade. Estou falando do olhar pedagógico, tão necessário, mas pouco utilizado. Estou falando em respeitarmos a diferença enquanto materialidade, de apoiarmos estes sujeitos para que realmente tenham um desenvolvimento pleno de suas subjetividades, estou falando em ser muito mais do que um(a) intérprete.
Muitas pessoas acreditam que penso assim porque falo de um lugar diferente, porque me tornei intérprete por ter uma filha surda, mas não é apenas isso. Reconheço de fato que isso me torna diferente, mas, no sentido totalitário, esta forma de pensar deveria permear todas as práticas envolvidas com a surdez. Não é apenas a questão familiar que me faz diferente, mas meu olhar se desloca porque acredito no que eu faço enquanto professora também. Quando disse antes que não há neutralidade, reafirmo isso no meu olhar. Acredito muito nas capacidades destes seres, acredito muito no surdo enquanto sujeito de sua própria história, narrando-se a si mesmo e não mais sendo narrado. Assim que é e assim que deveria ser.
Sou meio Dom Quixote... travo lutas solitárias dentro e fora da escola por este reconhecimento. Se acredito na inclusão? Isso só o tempo irá dizer... e este discurso não pode resumir-se em ser apenas contra ou a favor. Ele deve promover discussões, deve gerar desacomodação, deve fazer com que caminhemos, mesmo que diante de um terreno desconhecido. Sinto-me sozinha quando vejo intérpretes apenas sendo intérpretes. Há outros espaços para isso, mas certamente o espaço escolar não nos permitirá nunca que sejamos apenas isso.
Pode parecer pouco profissional da minha parte, sei que recebo críticas diárias quando falo isso, mas sou muito mais do que intérprete e professora, sou amiga, sou confidente, sou meio "mãe" de cada um dos meus alunos. E me orgulho disso! Nem sei se conseguirei provocar as mudanças que são necessárias para que a inclusão realmente se efetue, mas eu faço a diferença porque entendo que ela começa por mim, dentro de mim e nos espaços em que ocupo.
Espero, sinceramente, que o papel do(a) intérprete passe a ser (re)pensado porque a neutralidade acaba onde começa o processo de humanização dos sujeitos. Pensem nisso!
 
 
 

domingo, 9 de setembro de 2012

Almas Gêmeas - parte III

"Será fácil reconhecê-los, palavras não serão necessárias, e nem mesmo será preciso saber seus verdadeiros nomes. Saberá encontrá-los pela afinidade de suas energias, pelo chamado de seus corações e pela profunda identificação com seus sentimentos..."

Aproveitando o final da novela das seis ontem, vou falar de algumas coisas que me deixam inquieta com relação a este assunto, tão sério, mas que vem sendo banalizado por nossa cultura midiática, aliás, como todas as outras coisas sérias que perpassam nossas vidas...
Outrora, já havia publicado alguns poemas meus sobre o tema, em fases de minha vida que pensei ter encontrado a metade que me completava, iludida por leituras que fiz na época, pensei que fosse fácil, pensei que fosse possível para qualquer pobre mortal... (quem quiser ler, vá em minhas postagens mais antigas, lá terão ideia de quanto idealizei o tema).
A questão que quero abordar é que uma união cósmica não é bobagem e tampouco pode ser idealizada por quem a vive. O Universo por certo conspirará para que não aconteça, já que essa união prima pela perfeição - e perfeição existe mesmo, por um acaso? Certamente, pessoas que foram destinadas, que está escrito em algum lugar que um dia ficarão juntas, travarão batalhas muito maiores do que qualquer outra pessoa, para concretizarem isso. Vou explicar: essas pessoas virão separadas categoricamente, por longas distâncias, sejam estas distâncias em quilômetros ou culturais, se foram da Índia, por exemplo, serão de castas diferentes, se forem ocidentais, serão de cidades diferentes, ou terão diferenças tão grandes de idade, que terão de vencer a barreira do preconceito para selarem essa união. E certamente, falando em evolução, terão níveis de evolução distintos, e quando um estiver pronto, o outro não estará, quando um reconhecer, os véus do outro não terão caído ainda... Não será fácil!
Aí, você que está lendo este post deve estar se perguntando: "tá, mas e por que está falando tudo isso?" Bom, vou explicar: a novela, os filmes, idealizam o amor, de um jeito que leva as pessoas a acreditarem que, caso encontrem sua "cara-metade", viverão em perfeição, felizes para sempre, até que a morte os separe. Isso vem de tempo... Os contos de fada também nos fazem acreditar em príncipe e princesa, homens e mulheres perfeitos, pois somente eles podem viver um amor assim... 
Tenho medo deste ideal, sinceramente, pois, dentro do conceito de utopia de que fala Galeano,  de que é o que nos faz "continuar andando", acredito que muitas pessoas só conseguirão viver amores utópicos, já que, ao idealizarem o amor, quando puderem vivenciá-lo de fato, à sombra da primeira crise, cairão fora, pois não estarão prontas para enfrentarem problemas junto da pessoa amada.
E é neste ponto que quero chegar! Martha Medeiros já escreveu uma crônica falando de que só o amor não basta, em nenhuma relação. Vivemos em tempos difíceis, não podemos escapar imunes de possíveis crises financeiras, crises de identidade, crises de idade, enfim, poderia enumerar aqui, um trilhão delas, mas as pessoas, para ficarem juntas e se fortalecerem juntas, tem de estar preparadas para vivê-las juntas, então, aí só o amor não basta a si próprio. Vocês terão de ter bem mais do que isso um pelo outro para que este amor  possa durar. Respeito, confiança - confiança primeiro em si mesmo, para depois ter no outro - carinho, compreensão, fidelidade... Fidelidade? Sim, fidelidade a si mesmo, às suas ideias, aos seus ideais. Porque não adianta a pessoa largar tudo pela outra, vocês são dois, continuarão sendo dois, então, mantenham sua individualidade, isso é muito importante para que este amor sobreviva. E é muito fácil conseguir quando se tem auto confiança.
Olhem bem, meus caros leitores, não estou dizendo que não acredito que existam Almas Gêmeas, não é isso, nem que essa união não é possível, pois já conheci almas gêmeas que conseguiam ficar juntas nesta vida... Pessoas que lutaram muito para que isso acontecesse, que ficaram juntas porque batalharam uma pela outra e hoje já colhem os frutos desta união. Mas eles tem contas a pagar, ela também tem TPM, os filhos deles também dão trabalho, e eles também se incomodam em seus trabalhos. Aí que está a grande sacada disso. Não existe a perfeição, não busquem por isso, pois estarão fadados a jamais encontrarem.
Problemas todo mundo tem, eles fazem parte das nossas construções, fazem parte de quem somos e é na busca pela resolução deles que crescemos enquanto seres humanos. E, enquanto você está esperando que tudo se ajeite, que as coisas deem certo antes de concretizar este amor, certamente a pessoa que você idealiza está construindo suas próprias coisas, sozinha e você não fará mais parte delas... Lutem agora, façam por merecer esse amor e tenham em mente que a imperfeição é que nos desafia e que, assim como a utopia, nos faz andar... Seria tudo muito chato se fosse tudo perfeito!

"E no meio de tanta gente eu encontrei você
Entre tanta gente chata sem nenhuma graça, você veio
E eu que pensava que não ia me apaixonar
Nunca mais na vida
Eu podia ficar feio só perdido
Mas com você eu fico muito mais bonito
Mais esperto
E podia estar tudo agora dando errado pra mim
Mas com você dá certo
Por isso não vá embora
Por isso não me deixe nunca nunca mais
Por isso não vá, não vá embora
Por isso não me deixe nunca nunca mais
Eu podia estar sofrendo caído por aí
Mas com você eu fico muito mais feliz
Mais desperto
Eu podia estar agora sem você
Mas eu não quero, não quero..."
(Marisa Monte - Não vá embora)