Fui uma adolescente rebelde... Admito. E minha rebeldia, de certa forma, perdurou até os dias de hoje... Mas, ainda assim, reconheço e entendo os sacrifícios que minha mãe fez por mim... Até porque ela me lembrou disso durante um longo período de minha vida... Depois que fui mãe também, entendi que a maternidade de fato se resume a renúncias e sacrifícios. Somente aí que consegui perdoar a mim mesma pelo que fiz minha mãe passar... Entendo estas renúncias de uma forma diferente da que ela sempre entendeu e jamais culparia um dos meus filhos pelos sonhos que perdi no meu caminho, exatamente porque eles trouxeram outros sonhos com eles...
Ser mãe é despojar-se, ser vulnerável todo o tempo, ficar desprotegida... Porque nosso corpo passa a não mais nos pertencer, partes dele passam a andar soltas por aí e, sabemos, caso algo aconteça com quaisquer uma destas partes, jamais voltaremos a ser o que éramos antes. Depois que fui mãe e minha história se cruzou, se alinhou, com as dos meus filhos, entendi que sacrifício não era somente o que minha mãe falava. Sempre gostei de tomar banho por último, sempre gostei de arrumar, cuidar da casa, isso nunca foi problema para mim... Sacrifício é muito mais do que isso.
Claro que hoje não adiantaria discutir estas questões com ela, porque ela sempre, sempre pensará que se doou mais, que sofreu mais, que sua vida foi dez vezes mais difícil. Mas a questão que trago hoje é que, não importa quantas dores, não importa quanto sofrimento, não importa o número de coisas que tenhamos de renunciar, o que realmente importa é o olhar que damos a tudo isso. Tive uma filha surda, tive coragem de ter outro filho depois para que ela não ficasse sozinha, tive um casamento que durou muito mais tempo do que fora profetizado na igreja, muito mais tempo do que deveria ter durado... Fiz faculdade, batalhei para que a minha filha tivesse uma educação de qualidade, sendo que a escola dela não era a duas quadras da minha casa... Mas alguém me deve algo por tudo isso? Não! Caí, sacudi a poeira e segui adiante porque tinha dois motivos que me faziam acordar todos os dias e dar novos significados às minhas manhãs. Só eu sei quantas e quantas vezes pensei em desistir, mas, ao vê-los dormir, parei à porta e desfiz as malas...
Hoje posso entender que também não devo nada à minha mãe... Porque ser mãe é auto sacrificar-se, é doar-se ao outro sem pedir nada em troca, esse é o significado do amor incondicional que devemos ter pelos nossos filhos. Assim como eu, Carina, jamais cobraria nada dos meus amados filhos, não permitirei mais que me seja cobrado. Cresci! Mas a rebeldia continua, mãe, como você pode ver! Assim como você, também travei lutas solitárias, também chorei muitas madrugadas e o que sofri em meu doce casamento foi muito, mas muito pior do que traição, do que abandono... Insisto em dizer que somos sozinhos em nossos sentires. Realmente o somos. Jamais irei me aproximar do que você sentiu assim como você jamais irá se aproximar do que senti. Mas a diferença entre nós duas é somente uma: eu me responsabilizei por minhas escolhas, cada uma delas, mesmo aquelas que fui influenciada a fazer. Você seguiu sua vida culpando os outros, inclusive a mim, talvez por ser a filha mais velha, talvez por realmente não poder cobrar do meu irmão por nunca ter feito muito por ele... (Muito embora já tenha ouvido você falar muitas vezes de quando ele quebrou o braço, de como recorreu a você.)
Mãe, talvez você precise dramatizar para se sentir realmente útil. Mas te digo que existem muitas outras maneiras de sentir-se assim. Dar comida aos animais de rua, um sorriso e um desejo de boa sorte àqueles que precisam de nossa ajuda e que por algum motivo não podemos ajudar naquele momento. E, desses, jamais poderemos cobrar aquilo que fizemos, porque o fazemos de coração, não buscando um lugar no céu. Porque recompensa, mãe, é o que se ganha quando se tem a consciência tranquila, a sensação de dever cumprido. Recompensa, mãe, é poder deitar a cabeça no travesseiro e adormecer tranquila, porque não há contas a serem pagas. Eu durmo tranquila, mãe, pode acreditar! Que bom que você também pode fazê-lo!