quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Sobre os caminhos da educação especial (despedida de uma pessoa querida)

Sim, a educação especial é uma escolha... Escolha que, por vezes, é doída... Outras, é gratificante...Uma escolha de poucos, poucos os que a fazem por amor. Poucos os que não perguntam sobre as vantagens de remuneração e de aposentadoria... Costumo dizer que os educadores especiais que escolheram este caminho por acreditarem que podem fazer a diferença são grandes guerreiros. Veem luz onde outros apenas enxergam trevas. Conseguem ver possibilidades onde outros apenas enxergam obstáculos.
O educador especial, este extraterrestre dentro das escolas, o da sala do cantão, o encrenqueiro, o que desacomoda os outros colegas, aquele que lembra, todo santo dia, que as coisas ainda não estão acontecendo como deveriam, que ainda há muito a ser feito. Aquele que desafia, que se desafia e que não se conforma diante das injustiças... O educador especial é aquele que se regozija com as pequenas coisas, que as valoriza como pequenos tesouros, que guarda na lembrança os nomes de cada um de seus alunos... E, por falar em alunos...
A cada nova conquista de seus alunos, a cada descoberta, mínima que seja, renova-se e alegra-se. Acalenta a sua alma ver o outro desenvolver-se, saber que houve o seu investimento ali, o seu amor, o seu tempo... Somos muito mais do que os olhos do outro podem ver. Há uma imensidão, um infinito, um oceano de ideais que não deixamos para trás nunca. Que nos acompanham em nossas práticas e por toda vida. Afinal, a educação especial é uma escolha. Que nos motiva no dia a dia e que nos faz combater o bom combate. E, segundo Paulo Coelho, o Bom Combate é aquele que é travado em nome de nossos sonhos. E nós, educadores especiais, jamais deixamos de sonhar. Fazemos o que acreditamos e sonhamos... Com um mundo melhor, um futuro melhor e um legado... o legado do amor, do respeito às diferenças, sejam elas quais forem, o legado da justiça...
São esses sonhos que nos fazem caminhar, que nos fazem enfrentar tantos obstáculos diários e, ainda assim, sorrir ao final do dia, com aquela sensação de dever cumprido. Porque olhamos os nossos alunos, não com pena, mas com vislumbre de possibilidades... Porque não cruzamos os braços frente às batalhas... Porque sonhamos...
Então, quando um de nós se afasta, pelas circunstâncias naturais de nossas vidas, sabe-se que ali ficou um legado de bondade e de decência. É uma estrela a brilhar junto de nós, que jamais se apagará. E, com certeza, uma herança que permanecerá eternamente nos corações de cada aluno, cada família, cada colega com quem se conviveu ao longo do tempo.
Resta-nos desejar que a vida, o universo, retornem a ti tudo o que deixaste de amor e de esperança de dias melhores e que possamos, a partir de teus passos, seguir em frente de cabeça erguida, com a certeza de que estaremos sempre direcionadas ao caminho do bem e do melhor aos nossos alunos. Juntos estaremos em nossos legados e em nossos corações! Sejas feliz!

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Sobre as bruxas... por Gi Stadnicki.

BRUXAS?
No meu mundo há bruxas sim!
E elas sobrevivem muito abaixo dessa crosta de aparências bizarras, tão frágil quanto esmagadora...
Sobrevivem onde sopram os ventos divinos...espiralando e circulando...e em meio à eles, elas dançam!
E é nas profundezas de tudo que há onde ainda conseguem respirar.
No meu mundo as bruxas vão bem além das vassouras, dos chapéus pontudos e do ar cinematográfico...
Humana bruxa!
E curiosas, se misturarem às massas, pulando fora das lendas, conectando-se às gentes, impregnando-se dos cheiros e gostos, sorvendo pensamentos e sentimentos, somando-se às misturas e culturas...à vida, sem subterfúgios...
Sem medos!
Pois o velho caldeirão fumega dentro dela, esse sim, persiste! Dele fazem questão! E é a essência delas.
É o que as faz o que são...

No meu mundo as bruxas rezam!
Rezam baixinho, rezam alto, rezam de joelhos, de cócoras, rezam dia e noite...
Rezam rindo, rezam chorando, rezam vivendo e rezam morrendo...
Enquanto cuidam de suas coisas, e das de todo mundo, porque essa é sua sina...
Sagrada bruxa!
No meu mundo, bruxa é a mulher que ensina.
Independente se é velha, moça ou menina...
Depende só se traz consigo aquela inquietação.
Aquela agonia que dentro da gente faz eterno turbilhão...
Um desassossego, sem precedentes.
Parece que tem um bicho...
Uivando dentro da gente...
Sem aceitar, sem entender, sem permitir...
Sem aguentar, que o grito de quem quer que seja, ecoe por aí indiferente.
No meu mundo, bruxa é mulher perseguida...
Sou eu, você e ela. Aquela, a outra, e a de saia amarela...
Somos nós, as oprimidas, as desvalidas, as violentadas, as agredidas, as escondidas, as malvistas e as mal faladas...
E as curiosas. As indomáveis. As ávidas pelo oculto, pelo que transgride, as de língua afiada!
Despudoradas de alma...
Incapazes de se saciar com mentiras...
Impossíveis de calar diante do absurdo.
Maldita bruxa!
No meu mundo, é bruxa sim, toda e qualquer que em algum momento nessa vida, se entendeu parte do todo...
Se percebeu um fragmento de estrela, uma gota de chuva, um pio na escuridão...
É sim senhora, não fuja disso não!
Pois já desceu ao fundo do poço...
Não tem mais jeito...
Triste de ti mulher, que um dia se viu resumida a um soluço de compaixão...
Triste de ti, que se viu traduzida em emoção...
Triste de ti, que se pegou decifrada em paixão...
E virada e revirada em cólicas de empatia...
Trespassada pelo amor. Meio Deus, meio Deusa, Tudo...ou Nada.
Exaltada e decaída, ao mesmo tempo.
Anjo e demônio...
Não tem mais jeito bruxa...
E tô te elogiando mulher! Vem, vamos dividir a carga uma com a outra...
O meu mundo, é o mesmo teu.
E a esse mundo de insanidade e encanto...
Bem vinda, bruxa!
BLESSED BE!

(Gi Stadnicki.)

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

É preciso morrer algumas vezes antes de viver realmente

Antigamente corria contra o tempo, corria para chegar na hora nos lugares, ficava ansiosa, e quase nunca conseguia chegar, mesmo com toda correria... Horários nunca foram meu forte, mesmo. Mas sempre me afligiram muito.
Hoje me alinhei às minhas limitações, afinal de contas, o que não tem remédio, remediado está. Faço minhas orações quando dá, chego na hora se consigo sair cedo, sendo que sempre, sempre tomo meu café calmamente, não saio sem café de casa. Nunca! Disso não abro mão.
De tanto tentar nadar contra a maré, hoje alcancei um ponto de equilíbrio comigo mesma. Já não corro mais pela rua, já não fico enlouquecida quando não consigo pagar alguma conta. Dificilmente algo me abala a ponto de me fazer chorar ou perder a compostura.
Algumas pessoas chamam isso de frieza, egoísmo, eu chamo de maturidade. Já perdi tanta gente em meu caminho, algumas pessoas que voltaram com o passar do tempo, a conviver comigo, outras que talvez nunca voltarão, mas o fato é que a gente começa a ficar forte diante de certas dores...
Despeço-me e deixo ir. Outras pessoas sou eu mesma que dispenso. Quando temos energias tão distintas não adianta forçar o "ficar junto", porque devemos aceitar que temos níveis de evolução diferenciados. Às vezes a gente está mais evoluído, às vezes é o outro que deve esperar pela gente. A vida é assim mesmo. Idas e vindas, altos e baixos.
Simplesmente aprendi a não me debater. Não mais. Aceito o que vier, seja o que for. E acredito que esteja começando a viver de fato somente agora, depois de ter morrido tantas vezes. Crescer dói. Doeu muito e ainda vai doer. Tenho plena consciência disso. E espero ainda evoluir mais. 
Como disse Bukowski em sua célebre frase que tenho tatuada em minha costela direita, como algumas pessoas dizem que a vida começa aos 40, hoje, mais do que nunca, tenho certeza absoluta de que a minha está recém começando. Dispensando o que for preciso, me agarrando ao que considero precioso (e que amanhã já poderá não ser), vou vivendo. Andando com calma até o trem, para chegar uma hora atrasada... Enfim, assim vou eu... Criando asas quando perco o chão e voando além, enquanto tiver céu... Porque fui feita de plumas e não de raízes!

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Precisamos falar sobre Lúcia

A menina de 16 anos, Lúcia, da Argentina, morreu sozinha. A minha empatia, ao ler as muitas reportagens que surgiram desde o dia 8 deste mês, fez com que eu me colocasse no lugar dela inúmeras vezes. Ou, ainda pior, imaginei se fosse com minha filha, hoje com 18 anos.
Imaginei o desespero, os olhos a buscarem por algo ou alguém que pudesse estender a mão, mas ali só haviam seus algozes. Morreu de dor, segundo as perícias. Alguém consegue imaginar isso? Como deve ser desmaiar por não conseguir suportar a dor? Pois então... Fiz esse movimento muitas vezes ao longo desta semana. E não foi fácil. 
Fui abusada. Sim, fui, quando menina e depois, já adolescente, saindo de uma festa. No segundo episódio, optei por não denunciar porque meus amigos homens disseram que eu havia provocado o incidente por conta das minhas roupas. Tive medo. O primeiro episódio eu tinha cinco anos, nem sabia que aquilo era abuso. Quando dei por conta, quando percebi, já um pouco maiorzinha, o que se passava, contei para pessoas em quem eu confiava, meus tios. Foi muito sofrido, porque era uma pessoa da família. 
Depois, quando estava na escola, lá pelo segundo ano do fundamental, apanhei de um menino na aula de educação física. Esse soco no estômago acarretou uma semana ou mais de internação e hematúria nos rins que até hoje eu tenho que controlar com exames. 
Mais tarde, casada com o cara que eu amava, deparei-me com a violência doméstica em todas as suas versões - física, psicológica e econômica. Foram oito anos de violência, dez de casamento e doze de relacionamento. Um mar de lágrimas e um baita amadurecimento. Nem sei contabilizar quantas vezes fiz as malas pra ir embora. Quantas vezes parei na porta de madrugada para partir, mas me retive pelos meus filhos. Só com eles, eu pensava. 
Conto essas histórias porque tenho hoje 37 anos, quase 38, e a violência sofrida pela mulher não é de hoje. E é, sim, cultural, infelizmente. Quando li a história de Lúcia, tive uma sensação de dor, pois livrei-me da morte por muito pouco, e de alívio, pois minha filha jamais passou por uma situação destas. Mas, todos os dias, desde que amanhece, tenho plena consciência de que nem ela, nem eu e nem nenhuma mulher está, de fato livre de vivenciar este terror. 
Sendo mulher, tendo vivido o abuso, tendo convivido com abusadores, impossível não sentir temor pelo futuro, impossível não sentir calafrios com a mera possibilidade de acontecer essa brutalidade a alguém próxima. Simplesmente não sei o que faria. Não consigo sequer imaginar como ficou essa família, a dor sentida pelo sofrimento dela... Se fosse comigo, acho que ia preferir ir junto da minha filha... Não conseguiria viver sabendo do que ela passou...
Mas escrevo hoje porque muitas mulheres sofrem caladas, morrem, pouco a pouco, em seus lares, em silêncio. Clamam por socorro sem serem ouvidas. O que leva alguns homens a virarem monstros, não sei. Há toda uma influência histórica do patriarcado branco-europeu-cristão, que sempre subjugou as mulheres, talvez seja isso que ainda assombra os nossos dias. Mas, assim como na Argentina não se calaram, não podemos permitir que aqui no Brasil, país que é quinto lugar no ranking de violência contra a mulher e que sabemos que leis como a Maria da Penha são apenas paliativas, não protegem, de fato, as que estão em situação de risco, esse tipo de coisa caia dentro da normalidade. Mais uma vez digo, não é normal ser estuprada. Não é bonito ser coagida. E só quem sente na pele é que sabe o que isso significa. Sabe como é não poder andar livremente, não poder usar a roupa que bem entender. Clamamos pela mesma liberdade que os homens tem. Por igualdade de direitos. Só isso. Cada vez que morre uma de nós, fica ainda mais clara a função do feminismo no mundo. Ainda não somos iguais.
Lúcia era uma menina. Tinha sonhos, desejos, que foram brutalmente interrompidos pela barbárie do mundo em que vivemos. Empalada. Morta. Friamente limpa e jogada às portas de um hospital. Pensem nisso. Poderia ser uma de nós. Uma irmã, uma prima, uma amiga, até mesmo uma filha. Que a dor dela, a dor dessa família se traduza em sororidade. Nenhuma a menos. Assim que deve ser. Que a dor dela seja a nossa dor. Porque, se não fizermos algo logo, certamente o será, de fato.
Eduquem seus filhos para que não invadam espaços alheios, eduquem suas filhas para serem empoderadas, para se amarem, acima de tudo, independente da aparência. Deixem um mundo melhor para o futuro não tão distante. Ninguém merece ser estuprada, ninguém! E nenhuma vítima é culpada pelo abuso que sofreu. Mulheres, libertem-se! Denunciem! Saiam de relacionamentos no primeiro sinal de abuso. Estamos juntas e, juntas, somos mais fortes!



quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Sobre ser professora...


Eu nunca quis ser professora. Nunca mesmo. Lembro-me até hoje de quando, na pré escola, a professora, que eu achava uma bruxa, perguntou pra turma o que todos queriam ser quando crescer. Saíram coisas bem legais: astronauta, bailarina, etc. Prova de que as crianças ainda sonhavam, que bom... A minha resposta? Artista de circo! Sério! Eu ficava fascinada em ver aquelas pessoas sem raízes, que iam e vinham livres... E que tinham toda a atenção quando estavam no palco, no picadeiro... Era mágico! E, hoje eu sei, a magia sempre esteve em mim, talvez por isso a minha escolha...
Pois bem, cresci. E cresci mais nas casas dos meus avós do que na minha própria, sorte a minha, já que morava em apartamento sem pátio. Pátio tinha de sobra, pátio com lagartas, borboletas e tatus-bola. E gatos, muitos gatos. De todas as cores! E, dentro deste universo fantástico, depois de muitas caixinhas de insetos colecionadas e de ver muitos e muitos filhotes de gatos nascerem e crescerem, qualquer um que me perguntasse, durante toda a minha adolescência, o que eu queria ser, a resposta era certeira: veterinária. (Lógico que, depois, com a consciência dos valores dos cursos, até bióloga servia, desde que estivesse perto dos bichos.)
Pois bem, o resto da história todo mundo sabe, já mencionei mais de uma vez, terminei o ensino médio grávida, a Ju nasceu surda e, desde então, começou uma peregrinação para proporcionar a ela o que eu considerava o melhor. A oportunidade de voltar a estudar surgiu com as bolsas. Agarrei-me a isso por uma questão de sobrevivência - era o único caminho para me livrar de meu relacionamento violento e abusivo. Sendo assim, iniciei minha caminhada, como bolsista integral, em uma das melhores universidades aqui do RS. Não fosse a bolsa, não teria conseguido, jamais, estudar. E, sim, era um grande potencial desperdiçado. Mas a sensação de não enquadramento atravessou comigo todo o curso. Minhas tatuagens fizeram muitos professores me dizerem que eu "não tinha perfil de pedagoga". A convivência com  muitas colegas de curso fez eu ter certeza disso. 
Os estágios me fizeram questionar ainda mais a minha escolha, pois, de fato, eu não me sentia pronta. Nunca consegui "puxar o saco" de professores para conseguir um lugar dentro da universidade. Sim, mais desperdício de um grande potencial. Comecei a trabalhar no Estado antes de me formar. Mas era como intérprete, então, beleza, nem senti tanto. Ainda assim, presenciando as práticas equivocadas de colegas de profissão diariamente, comecei a questionar o tempo perdido em uma formação que realmente não era o que eu queria... Meus primeiros anos dentro da educação especial foram sofridos. Construí e desconstruí a mim mesma incontáveis vezes. Aceitei as coisas que não podia mudar com muito custo e sofrimento, as que eu podia - e posso - mudar, esperneio até hoje. 
E, pra falar a verdade, ainda estou me constituindo professora, ainda não me considero professora, falta muita coisa a aprender e tenho aprendido todos os dias com as minhas práticas e com meus alunos. Não me sinto ainda à vontade com o título. Ainda que tenha um pedaço de papel lá em casa que diga e prove que sou. Acho até engraçado ver aqueles perfis sociais com nomes tipo "Professora Fulana de tal" ou "Pedagoga Ciclana". Gente, não é o diploma que me concede isso, é o que eu faço no dia a dia, pelo menos é o que eu penso a esse respeito. E vejo tanta coisa nessa minha caminhada que, sinceramente, tem gente que deveria usar o seu diploma para limpar a bunda. Bem isso mesmo. Pessoas frustradas que transformam as vidas dos alunos em verdadeiros infernos. Triste.  
Mas cá estou eu. Professora. Pedagoga. Trabalhando já há quatro longos anos em sala de recursos, buscando o melhor atendimento aos meus queridos alunos que já possuem tantas barreiras na vida, já enfrentarão tantas e tantas coisas. Na verdade, muitas decepções ainda seguem comigo. Mesmo concursada, o que eu achava, na minha mais doce ilusão, que já seria uma grande coisa na minha caminhada, as políticas públicas tem nos despedaçado dia após dia. Salários parcelados, condições precárias para trabalhar, psicológico em frangalhos em virtude de não darmos mais conta de manter o básico. Todos os meses passamos pela incerteza de podermos pagar - ou não - todas as contas. Em geral, tem de se deixar algumas, de fato, porque não há meios de vencer os juros do banco. Os colegas e eu, logicamente, temos sofrido com este descaso. E, não fosse isso o bastante, ainda temos um ambiente insalubre, hostil, onde é quase impossível firmar parcerias e onde o aluno geralmente paga o pato de não termos a valorização social necessária. 
Tudo é um círculo vicioso. Não recebo em dia o salário, me contento em fazer o mínimo, em me manter dentro da média. Neste processo, recuso-me a fazer o necessário para promover uma aprendizagem digna, pois não participo de formações continuadas, não faço as adaptações curriculares essenciais à inclusão e, desta forma, meu aluno vai fingindo que aprende enquanto eu finjo que ensino. A roda é essa. E quem perde são os alunos. Sempre. Isso que nem entro no mérito da greve. Dos movimentos. Porque isso fragmenta ainda mais a classe, desune, provoca desrespeito entre colegas. E notem que não estou me posicionando contra, considero até necessário o movimento de greve. Mas cada um sabe onde aperta o seu sapato e temos a obrigação de respeitar a opinião dos colegas.
Lamento todos os dias o rumo que as coisas tomaram. Mas busco fazer a diferença nas vidas dos meus alunos, isso é o que me prende a essa profissão tão pouco valorizada, tanto pela sociedade quanto por nós mesmos - com as práticas equivocadas dentro das escolas. Meus alunos são a principal razão por eu continuar tentando, por eu insistir. Porque tem escola em que eu realmente não me sinto à vontade, tem escola que sequer frequento a sala dos professores - outrora chamada de serpentário em uma palestra em que eu estava, - tem escola em que eu nem converso com colegas, por não fazer questão mesmo, por saber que não me acrescentaria muito. Vez ou outra eu ainda me pego pensando em mudar de profissão. Sei lá. Às vezes é melhor mesmo lidar com bicho do que com gente. Acho que a maioria das vezes. Mas aí me lembro dos alunos. Sim, ficarei um pouco mais por eles, só por eles... Não é pelo salário, não é pelos "privilégios" que o senhor ministro acha que temos, não é pelos colegas... Quem sabe um dia, não tão distante, poderei olhar para outros horizontes, mas, por hora, eu fico...



segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Sr. Gandalf, o cinzento



Foi num final de tarde de um dia de verão... Eu chegava do trabalho, num dia em que nada fora do comum havia acontecido, um dia como qualquer outro... Não sei se fui eu quem o encontrou ou se fui encontrada por ele... Mas o fato é que foi ele quem se fez ver, com seu miado estridente, miado de filhote. Não parou de miar enquanto eu o buscava pela rua freneticamente, mas veio quando eu o chamei e encontrou alento no meu colo. 
Em silêncio, foi até em casa comigo, no colo, quieto, como quem encontrara a paz e como quem soubesse que era ali, exatamente ali, que deveria estar. Chegando em casa, enfrentou certa resistência de seus irmãos, mas logo era parte da família. Era o ranzinza, o "na dele"... Gostava mesmo era de dividir a comida com os humanos...
Gato cinza, do pelo de veludo, dos olhos verdes brilhantes, era um gato forte. Passou por duas mudanças com a gente e nunca teve uma reação ruim. Mas, em compensação, nunca superou muito bem a perda do mano Kowalski. Até pouco tempo ainda ficava por tempo interminável olhando pelas janelas, miando na sacada, como quem chama alguém importante. E ele nunca voltou... E agora tu nunca vais voltar... Mas quero crer que vocês estão juntos, onde quer que estejam, esperando por nós, esperando pelos seus irmãos...
Desde o dia em que tu adoeceu meu coração se partiu em mil pedaços. Ver o brilho dos teus olhos apagado pela dor foi muito triste para mim e teus irmãos humanos. O sentimento de impotência, o resquício de esperança de que tudo pudesse melhorar... Como dizem, um pedaço de mim, de minha alma, foi contigo. E deixaste comigo um pedaço da tua. Espero viver tempo suficiente para que, um dia, eu me torne toda felina, ou metade felina e metade canina e não reste mais nada humano em mim. 
Também dizem que os gatos escolhem os donos. Acredito mesmo nisso. Sou abençoada por ter sido escolhida por tantos seres de luz. Sinto-me regozijada por saber que, naquela tarde quente de verão, passei a fazer a diferença na tua vida. Assim como fiz e faço a diferença nas vidas de tantos outros e queria fazer ainda mais, mas não posso. 
Ao longo destes anos em que estivemos juntos, foram muitas coisas vividas, muitas sonequinhas à tarde, muitos filmes no colinho, muitos sanduíches divididos e muitos pedaços de frango roubados... Tu eras o guardião da cozinha... Hahaha... Até agora ainda não acredito que vou chegar em casa e não vou te ver no móvel ao lado da porta, esperando para dar aquela espiada marota para fora, esperando para ganhar o cafuné sagrado... Não caiu a ficha, amigão! O Snape está inconsolável. Anda pela casa só dormindo os dias inteiros. Acho que ele não está entendendo muito o que aconteceu.
Arrependo-me de não tê-lo deixado dormir no côncavo de minhas costas nas últimas noites. Arrependo-me de não ter te dado mais tempo em meu colo, sempre atarefada entre uma coisa e outra... E essa lição levarei adiante para os teus irmãos que ficaram: nunca deixar para depois o carinho, nunca procrastinar o amor. Porque simplesmente não sabemos quando será a última vez, quando será o último suspiro. 
Disseram que tu estás muito melhor do que nós, que ficamos. Até acho que sim. Mas queria mais um tempo contigo. Queria que a cirurgia tivesse dado certo e que tivéssemos o brilho dos teus olhos por mais um tempo. Queria ter podido dizer adeus, como disse ao teu irmão, que ainda ronronou pra mim no último suspiro... Tá doendo, cara! Não teve um só dia em que eu não tenha lembrado e chorado a tua falta... E vai ser assim sempre... As lembranças permanecerão.
Já fiz uma combinação com os deuses de que, quando for a minha vez de partir, que eu vá pro céu dos bichos. E deve ser um lugar muito mais legal do que o outro céu. Cheio de novelos de lã, cadarços e um monte de coisas legais. Deve ter um gramado enorme e muita areia limpa... Esperem por mim, tu e teus irmãos. Agora tu podes dormir junto com o Kowalski de novo. Não deixa ele e Sr. Frodo brigarem. Logo, logo eu tô chegando por aí. E o reencontro, ahhh, esse é certo para aqueles que se amam! Até logo, Sr. Cinzento! 



quarta-feira, 24 de agosto de 2016

As tecnologias que separam

De repente, uma televisão funcionando em casa já não é mais o suficiente. Falo de televisão com internet, sabe, dessas que assistimos Netflix e YouTube... Porque televisões normais já não bastam há tempos. Dvd? BlueRay? Não, o negócio é SmartTV, de preferência, uma em cada peça da casa para que possamos exercer a nossa liberdade de escolher o que queremos olhar ou ouvir...
Ontem ainda pensei, no tempo em que passei parte da minha infância na casa da minha avó, que na verdade era bisa, mas, no fim das contas, foi a única avó que conheci (mas isso não vem ao caso agora), a gente se reunia na sala, a família toda, para assistir o telejornal e as novelas, todos os dias, depois da janta. Havia um tratado não declarado, no horário do telejornal, nós, as crianças, mal podíamos respirar, não podia haver barulho e, nessa de fazer silêncio, era inútil tentar prestar atenção no que passava na televisão porque não entendíamos nada: alta do dólar, inflação, bolsa de valores... Era tudo grego pra nós!
Surgiram aí algumas manias, como a de abrir as portas dos armários com os pés e ficarmos eternamente balançando, durante todo o horário do jornal televisivo, era uma distração, a menos que abríssemos alguma porta que rangia, nosso "tique" sequer era percebido pelos adultos que ali estavam...
A hora da novela já era um momento mais ameno, as pessoas tiravam, aquelas expressões rudes das faces e a conversa habitual voltava ao ambiente, muitas vezes dando abertura a nós, crianças de participar. Mas o legal é que agora podíamos respirar e fazer barulho enquanto tomávamos nossos refrigerantes remanescentes da janta.
O fato que quero expor, meus amigos, é que, apesar de haver na casa de minha avó mais de um aparelho de televisão, o momento de reunir a família ao redor da maior tevê (e a colorida) era sagrado. Não importa o tempo que estivesse lá fora, depois de jantar, era telejornal, novelas e cama! Todo santo dia! Com exceção do sábado, em que podíamos, talvez, até assistir o filme depois da novela, isso se aguentássemos ficar acordados, e o domingo, que não tinha novela, mas tinha Fantástico e Os Trapalhões (bons tempos).
Hoje fazem anos que não assisto televisão aberta. Anos! Passei a assistir trechos soltos de novelas nas visitas à minha tia, nunca entendendo nada a respeito da trama e dos personagens. Não sei o que é um comercial local de tevê. Isso não faz mais parte de minha vida há tempos. Meus filhos, então, nem devem lembrar. E, apesar de ainda sentarmos à mesa para jantar, cada um quase sempre fica de olho vidrado no telefone, ou come rápido para poder voltar logo ao mundo cibernético.
E, de repente, uma só tevê - boa - na sala, já não basta. Mesmo que a usemos apenas para olhar filmes e escutar música, já não é suficiente para trazer felicidade a uma família de três pessoas (e quatro gatos e dois cachorros). Tempos modernos... Como eu já disse outrora, em outras postagens, tecnologias que unem os que estão longe e separam os que estão perto...
Assumo a mea culpa. Também acabei repassando meus vícios e fugas - todos - para a internet. Meus excessos. Sei disso. Não vou negar. E venho trabalhando para tentar diminuir o meu ritmo. Não dormir mais com o celular embaixo do travesseiro, não estar mais totalmente disponível ao primeiro chamado. Já fiz alguns progressos neste sentido - como conseguir ficar sem internet fora de casa, por exemplo, não ter mais aquela urgência em ter que colocar crédito... Mas ainda há muito a ser feito.
Sei que talvez este não seja um problema que ocorra somente na minha casa, sei que talvez seja algo muito maior a nível antropológico. Talvez tenhamos apenas seguido o fluxo doido dessa sociedade tecnológica, mas tenho lamentado muito pela falta de interação e pela falta de tempo que a correria do dia a dia nos impõe. Mas o sentimento de culpa permanece... Por não saber mais se ainda dá tempo de retomar certas rotinas... Por não saber fazer chimarrão numa hora dessas (que também era outra coisa que reunia a família)...
É preciso acordar antes que seja tarde... Tenho certeza de que ainda é muito melhor um abraço, um afago, do que uma mensagem no WhatsApp. Melhor uma roda de amigos num boteco do que aqueles intermináveis diálogos nos grupos de Facebook. Muito melhor assistir um filme com a família num sábado de noite do que postar foto na balada no Instagran. Não deixem isso se perder! Resgatem o contato humano, o colo pros filhos, os abraços amigos... Porque o tempo passa muito rápido e, quando nos dermos conta, uma televisão em cada peça da casa já não será mais suficiente para nos trazer felicidade...

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Pessoas normais me assustam (sobre a maioridade da minha filha)

Pessoas normais me assustam... É uma frase tirada de um filme. É uma frase que virou tatuagem. Quando eu estava no estúdio, no dia de marcar a pele, como tradicional presente de aniversário, me caiu a ficha da dimensão do significado desta frase.
Sou mãe intérprete. Intérprete e mãe. Ou uma mãe que se tornou intérprete por necessidade. Uma intérprete por tempo integral e, na maior parte do tempo, não remunerada. Mas, de um modo geral, sou uma péssima intérprete. Desde quando minha filha começou a se interessar pelos assuntos dos adultos, observando as caras e bocas de longínquas conversas, acabei caindo no mesmo erro dos adultos de meu passado, deixando-a de fora das conversas, dizendo que explicaria depois ou apenas resumindo um papo de 3 horas em uma ou duas frases. Assumo a culpa, ou a mea culpa.
A questão é que, desde então, Júlia passou a questionar sua surdez, sempre tão bem aceita por mim, o que me provocara muita tristeza. De repente, o mundo ouvinte passou a provocar dor e estranheza nela. Da mesma forma que eu me magoei algumas vezes ao trabalhar com surdos e pensava: "vou largar mão de trabalhar com isso, vou ficar só com a docência." Mas eu estava enganada. O mundo surdo não é um trabalho apenas. É parte da minha vida. E eu nunca consegui fazer com que o tal do "mundo ouvinte" se inserisse no mundo dela. Sim, pessoas normais assustam. E como. 
Em um - inicialmente - enorme universo familiar, apenas umas poucas pessoas aprenderam a comunicar-se com ela. Destas pessoas, apenas duas convivem hoje com ela. De resto, houve pouca procura, pouco esforço, pouca vontade. Foi então que, naquela tarde fria e chuvosa de sábado, há pouco mais de uma semana, enquanto ela marcava esta frase na pele, que eu entendi o quanto as pessoas normais devem, de fato, assustá-la. Engasguei. Estremeci. Procurei de todas as formas desviar o meu pensamento para qualquer outra coisa. Mas a frase ficou dias ali, martelando na minha cabeça. 
Sempre me esforcei para dar a ela tudo o que estava dentro do meu alcance. Mas ainda penso que meu maior presente foi, é, e sempre será a língua. A capacidade plena de ter comunicação, ao menos no nosso minúsculo núcleo familiar. E também embora eu muitas vezes negue algumas interpretações de mundo a ela. Faz parte. Às vezes não quero ser intérprete. Mas, em contrapartida, outras vezes, interpreto telejornais, blogs, novelas, filmes... É uma dualidade o que vivemos. Relação de amor extremo e ódio. Coisa de mãe e filha, mas intensificada mil vezes pela vivência com a deficiência.
Todos os dias aprendo muitas coisas com meus filhos. Digo e repito para eles que são a razão de eu acordar todos os dias e querer viver. Não fossem eles, a vida não teria nenhuma cor. Mas eu e Luan aprendemos e adentramos em um mundo diferente do nosso por ela. E isso modificou minha vida toda. Nossas vidas. Não fosse a Júlia, talvez hoje eu seria uma bióloga, ou veterinária. Ou talvez nem fosse nada. "Nossos destinos foram traçados na maternidade." É isso. 
Já escrevi tanto e tanto acerca da convivência, da dor, do luto, das aprendizagens e alegrias em se conviver com uma deficiência, mas nesta data esse texto ganha significado especial. Essa semana ela faz 18 anos. A maioridade de uma trajetória de muitas lutas travadas, batalhas perdidas e vencidas. Olhando para trás posso me ver sentada naquele banco de praça em frente à escola. Tardes inteiras de espera, para proporcionar a ela o que eu acreditava ser o melhor. Escola especial não tem em cada esquina. Era outra cidade. Quilômetros e quilômetros longe da minha casa. Carregava o mundo nas costas. Hoje vejo o quanto valeu a pena, o quanto a perseverança dá bons frutos.
Esse ano ela se forma no ensino médio, e tantas e tantas histórias temos para contar de todo esse tempo, está aí, moça decidida, personalidade forte (não sei a quem puxou), sabe bem do que gosta e o que quer. Tenho muitas razões pelas quais devo me orgulhar. Outras tantas com as quais me preocupar. Mas assim é ser mãe. E maternidade não é fácil. Sabemos que erramos tentando acertar. Sabemos que os erros machucam, muitas vezes, ambas as partes. Relação de mãe e filha é delicada... Mas, mesmo aos trancos e barrancos, chegamos aqui e vamos além, muito além. Num amor que não tem medida, que não tem como dimensionar, num amor que transformou e segue transformando a minha vida e as vidas de todos que se abrem para ela, de coração aberto.
Hoje posso olhar para trás e dizer que faria tudo, absolutamente tudo de novo: as noites em claro, os choros, a espera nas longas tardes na escola. Porque ser mãe é isso: é deixar seus sonhos guardados para tentar realizar os sonhos do outro. E ser mãe de uma criança com deficiência é nunca deixar de crer na superação e na bondade... Sou muito feliz por te ter, minha filha. Sou muito feliz por ter me apaixonado perdidamente pelos teus olhos castanhos naquela sala fria de hospital. Lindos olhos castanhos. Tenho muito orgulho de quem tu és e tenho certeza que terei ainda mais da mulher que tu estás te tornando. Te amo hoje e sempre e confesso hoje que as pessoas normais também me assustam. Sempre me assustaram! 


terça-feira, 17 de maio de 2016

O amor transforma a gente...

Despretensiosamente, a gente acaba, mais uma vez, naquele perfil... Aquele perfil de um aplicativo/site de relacionamento que, sabemos, não dará em nada... Nessas idas e vindas, vamos conhecendo pessoas, conversando com algumas, encontrando com outras... É a mesma rotina cansativa de sempre. Relações superficiais, baseadas em sexo e disfarçadas de amizades coloridas, que, na verdade, verdade mesmo, de amizade não tem absolutamente nada. A maioria das pessoas já envolvida em outras relações, que sequer ousam admitir para si mesmas que já fracassaram há muito tempo, teimam na conversa tola de que não podem ter nenhum tipo de envolvimento. Percebe-se isso quando a gente se dá conta de que não há envolvimento por parte destas pessoas nem mesmo com relação às pessoas que caminham ao lado delas, coitadas...
Então, um belo dia, alguém sai do lugar-comum. Alguém se destaca em meio à multidão de babacas inconformados com suas vidinhas pacatas. Essa pessoa surge do nada para restabelecer o pouco que te resta de fé na humanidade. Quer se apaixonar, quer sentir, quer correr o risco. e isso te surpreende tanto, que tu não consegue ver isso como algo natural. Algo está errado. Estará jogando? Estará mentindo? Qual é a desse cara, que insiste tanto... Por que, afinal, essa insistência?
Assusta, eu sei. É algo que não estamos mais acostumados. Nem sabemos mais como é ter alguém invadindo nossa rotina, não estamos mais acostumados com alguém ocupando espaços antes vazios. E, então, vem o medo. O medo do fim. Sim, isso mesmo. Antes mesmo de começar, temos um medo incontrolável de que termine. Não queremos, então, que a pessoa ocupe estes espaços exatamente para não termos de conviver com o vazio novamente quando ela tiver ido embora. É, sim, muito contraditório. Sabotamos a nós mesmos e a nossa felicidade pelo medo irracional de sofrer. Por que não pode ser esta a pessoa que veio para ficar? Por que não pode ser esta a pessoa que vai envelhecer junto conosco?
A resposta é simples: porque deixamos de acreditar. Bauman se refere às frágeis ligações que se estabelecem nos tempos modernos, pois tudo está muito dinâmico, por causa da falsa sensação de ligação e conectividade que temos com as pessoas, por conta da internet. Falsa, sim, porque bem sabemos que, ao mesmo tempo em que há a possibilidade de nos aproximar de quem está longe, também nos afasta, e muito, de quem está perto. Relações efêmeras nascem, crescem, e morrem na rede. Mas, sinceramente, não sei se a internet seria a única causa dessa mudança de comportamento. Há muitas coisas por trás deste "esfriamento" nas relações. Medo de se machucar, medo de sofrer, dificuldade em aceitar a finitude de todas as coisas...
Então, quando, em meio a todo esse contexto, encontramos alguém que de fato se preocupa, que realmente nos quer bem, o que fazer? Se jogar ou manter um pé sempre de fora para tentar evitar, de alguma forma, o sofrimento inevitável? Outro dia, li uma frase, cuja autoria não recordo agora, que dizia mais ou menos o seguinte: "Amar é jogar-se no abismo e  esperar que o chão nunca chegue." É isso! Eis o ponto. Nunca saberemos se vai dar certo, se vai existir o tão sonhado "pra sempre". Nunca saberemos se aquela pessoa veio para ficar, ou se vai embora como tantas outras fizeram antes dela. Mas, ainda assim, não vale tentar? Não vale viver intensamente todos os momentos e, depois, caso o fim chegue, guardar com carinho todas as lembranças? Será que vale a pena abrir mão de tantas coisas legais por medo?
Eu estava entregue, ao Tinder, às redes sociais cada vez mais vazias, estava conformada com as relações meia boca que viriam através desses meios. Cheguei a acreditar que o amor não era pra mim, não mais. E sequer me imaginava dizendo "eu te amo" para alguém que não fosse meus filhos, as poucas pessoas da família que me restaram ou amigos mais próximos. Mas eis que a vida surpreende e, em menos de três meses, um sentimento avassalador tomou conta de mim. O farfalhar de folhas outonais voltou à minha barriga, entregue ao vento do amor que sopra suave, tal e qual brisa... As famosas borboletas no estômago voltaram à vida, cada vez que aqueles olhos castanho esverdeados me fitam, cada vez que aquele sorriso me sorri.
Se vai durar, não sei. Se vai ser pra sempre, tampouco. Costumo carregar comigo a plena consciência da finitude de todas as coisas. Mas, ainda assim, estou entregue! Depois de quase seis longos anos sem me apaixonar, estou completamente entregue ao amor, vivendo cada momento, desfrutando de uma intimidade ímpar, que só melhora a cada dia que passa e sem pensar muito no que poderá acontecer amanhã.
Quanto aos que passaram na minha vida ao longo destes seis longos anos, serviram, nada mais, nada menos, para me fazer ver que, sim, eu ainda sou capaz de atrair olhares, seja pela minha beleza (que, prefiro dizer, é mais interna do que externa), seja pela minha inteligência, seja pelo meu senso de humor (ácido)... Sou intensa, sou furacão, por isso, não mereço viver de metades. Todos os que passaram na minha vida até agora, me trouxeram até aqui, até ele, com tudo o que aprendi e o mundo de coisas que ainda tenho que aprender. Estou pronta. E vou de mãos dadas. Porque o amor transforma a gente. Transforma-me e transformou-me no melhor que posso ser. E você? Está pronto para ser transformado?

quarta-feira, 23 de março de 2016

A educação na atualidade

E a educação segue à deriva... Eis a analogia que faço. Como um barco sem direção, em meio a um oceano sem fim, sacudido por tempestades e tendo apenas um longínquo horizonte para orientá-lo, mas sem meios e nem perspectivas de chegar a qualquer lugar que seja... A educação brasileira sofre. Com a falta de investimentos de governantes e burocratas que nunca conheceram a realidade das sala de aula. Com o despreparo de professores que sofrem terrorismo o tempo inteiro, ameaçados de perderem seus suados empregos e de terem seus salários parcelados - como, de fato, tiveram. Com famílias desestruturadas e crianças que penam com suas situações de vulnerabilidade social extrema.
As instituições de ensino tem sangrado com feridas incuráveis que estão abertas desde os primórdios. Prédios sucateados, salas de aula superlotadas, materiais de apoio pedagógico escassos e  metodologias de ensino há muito fracassadas. Como mudar essa equação quando vemos, cada vez mais,  esse setor primordial ser desmantelado pelo governo e desrespeitado pela sociedade? Se os governantes, quando tem que cortar gastos, apelam por cortes no setor da educação, cancelando repasse de verbas para projetos ou congelando salários? Isso tem sido bem comum. Comum e lamentável.
O barco (a educação), só não naufragou porque ainda conta com pessoas atuantes que acreditam no que fazem. Pessoas que veem no ato de ensinar um modo de mudar as realidades duras dos alunos e de mudar o mundo. E, não importa o que digam, estudar é e sempre será um ato revolucionário. Entender o sistema é a melhor forma de, pelo menos tentar, subvertê-lo. O bom professor sabe disso. E é por isso que luta. Então, os movimentos de luta da categoria também fazem parte do ato de ensinar.
É preciso que a sociedade entenda que a educação é a maior e melhor arma para modificar o mundo e que, a partir dessa conscientização, possa valorizar as instituições de ensino e os profissionais (todos) que lá atuam. Que a sociedade contemporânea entenda, de uma vez por todas, que greve não é sinônimo de vagabundagem e que, se não há investimento significativo do governo nesta área tão importante, isso também é culpa da população que não apóia as lutas dos educadores e tampouco ensina seus filhos a valorizarem e respeitarem seus mestres. Está na hora de todos nos responsabilizarmos! O porto seguro para onde o barco da educação poderá atracar depende de cada um de nós. Ou o seu infeliz naufrágio. E você? O que você escolhe? De que lado você está?



Em março de 2016 fui convidada por uma amiga a fazer uma redação cujo tema era a educação na atualidade. Eis o resultado do trabalho. Achei que seria legal compartilhar destas inquietações com os amigos, uma vez que tenho muitos que também atuam na área da educação. Boa leitura! Comentem e compartilhem! 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Sobre filhos (com deficiência)

Como começar a falar a respeito da dor e da perda de deus? Não há meios leves para falar sobre questões tão ardentes... Simplesmente não há! Vamos ver... O que eu teria para dizer, seria uma monografia, uma tese de mestrado, de doutorado, sobre este assunto, mas vou resumir ao máximo para poder compartilhar alguns pontos que considero importantes.
Esta semana, li no facebook, foi muito difundido, inclusive, um artigo que falava sobre o abandono dos pais (entende-se pais = homens progenitores) aos filhos com microcefalia. Para entenderem melhor a respeito disso, é só pesquisar sobre o surto de crianças nascidas com tal patologia no Brasil e as reincidentes discussões se seria ou não provocada pelo zika vírus... Enfim, tal assunto esteve e está sendo difundido nas redes sociais. Mas me apeguei à questão do abandono, como se fosse novidade mães que tem filhos com deficiência serem abandonadas pelos maridos, ora, me poupem!
Falo por experiência própria. Somos responsabilizadas por todos, desde o nascimento dos nossos filhos. Nasceu com saúde? "Olha, que bezerrão, puxou ao pai!" Nasceu com algum problema? Culpa da mãe, não deve ter se cuidado o bastante, ou deve ser uma pecadora que está se redimindo de seus pecados... A questão, meus amigos, é que a crueldade perpassa as paredes de suas casas, sai às ruas, travestida de preocupação, mas, na verdade, é puro preconceito.
O abandono não se dá apenas quando o pai faz as malas e vai embora. O abandono pode ocorrer bem antes disso e vou contar o por quê. Eu criei meus filhos sozinha, mesmo tendo sido casada por dez anos. Sim, isso mesmo. A minha filha mais velha nasceu surda. Foi um choque para toda a família. Como? Por que? De onde veio a deficiência? Foram perguntas que ouvi e que ecoaram em mim por muito tempo. O segundo filho veio para que ela não fosse sozinha no mundo. Mas, enfim, foquemos nela. No começo, fui atrás de cursos de Libras, minha prima fonoaudióloga atendia a Júlia uma vez por semana em seu consultório praticamente de graça. Procurei escola cedo, queria me comunicar com minha filha, tinha urgência. Mas quem fez tudo isso, meus senhores, fui eu. Sim, por certo devem estar pensando, "claro, é obrigação da mãe, já que não trabalhava"...  Besteira! 
A vida de meu ex marido não mudou nada. Continuou nas farras, finais de semana intensos, com churrascada e beberagem, amigos, casa cheia, praia... A única responsabilidade que tinha era o trabalho. Teve amantes, inúmeras. Coisa de homem, né, ainda mais porque casou cedo. Sim, muito normal. Inclusive a violência física e psicológica que ele praticava, normal, também. Então, além de enfrentar todas estas mazelas de meu casamento (nada perfeito), eu, com 21 anos, tinha dois filhos e uma pessoinha com deficiência, cujos caminhos para chegar em seu coração, precisei descobrir sozinha. Eu não sabia, mas já havia sido abandonada ali. Quando ia para Esteio levá-la a uma escola especial (a única da região) e ficava quatro horas lá esperando por ela. Quando o irmão pequeno passou a ter que ir junto nessas andanças, que tornavam-se verdadeiras viagens, já que tinha que carregar a casa nas costas para dar-lhes um mínimo de assistência. Quando, mesmo sendo uma mulher que me dedicava à casa e aos filhos, ainda levei o primeiro tapa. Fui abandonada quando a violência seguiu e se intensificou. Fui abandonada quando a única pessoa que podia me socorrer protegeu meu agressor.
O fim do casamento, quando a Júlia tinha 11, 12 anos, somente aliviou a carga. Já tinha acabado muito antes de começar. Os filhos com deficiência são das mães. São elas que os carregam nos braços, mesmo quando não cabem mais neles. Sim, isso mesmo. São elas que presenciam as angústias, o preconceito, a dor. Vamos falar de dor? Sim, vamos. Ela não tem fim, se querem mesmo saber. Acompanha-me em todos os lugares, onde quer que eu vá. No dia em que peguei o diagnóstico naquele hospital passei a questionar as intenções dos deuses para comigo. Deus, o ser onipotente, onipresente, duvido que exista. Desde aquele momento em que tive de matar minha filhinha saudável para colocar a outra em seu lugar. Sim, muita gente não sabe, mas é isso que acontece. Por isso o luto. 
Aceitei minha filha de uma forma que ninguém na família jamais conseguiu, me comunico plenamente com ela, sempre a tratei como trato o irmão, que não tem deficiência alguma. (Embora ambos pensem que sempre tratei melhor e dei mais regalia ao outro.) Mas, apesar de ter estudado, de ter corrido atrás de informação e de hoje trabalhar com isso, não consegui evitar as crises de identidade dela. Não consegui evitar de que ela me questionasse inúmeras vezes a própria deficiência, partindo meu coração em mil pedaços... A dor que isso provoca é inenarrável. Não adiantaria tentar escrever a este respeito. A solidão dela é a minha solidão. Em todos os lugares, onde vamos, só estamos bem se estamos sozinha e se posso me dedicar somente a ela. Onde tiverem outras pessoas, ela se isola, vocês tem noção do que é isso? Do que é compreender isso e ter de viver com isso todos os dias de sua vida.... Eu a criei autônoma, independente, mas não há um só lugar do mundo em que eu a veja plena, se eu não estiver por perto. Isso me dói demais. Mas já entendi que essa carga é minha. E que, por certo, não poderei colocar na porta de ninguém. 
Dizem que os deuses não dão a ninguém um peso maior do que podem carregar. Todos os dias questiono a sua sabedoria. Todos os dias me pergunto se era mesmo pra ser eu. Era. Vocês podem achar errado eu chamar de carga, mas, vejam bem, chamei de carga, não de peso ou fardo. Embora por vezes pareça. Conviver com uma deficiência não é fácil. Os pais correm, a maioria das pessoas corre. É diferente de se escolher trabalhar com isso. Muito diferente. Porque, quando você trabalha com isso, você chega em casa e fecha a sua porta e consegue desligar-se de tudo. Eu, embora também tenha escolhido trabalhar com isso, chego em casa, fecho a porta e ainda tenho de conviver. 
E a revolta dela com o mundo é também minha revolta. E as agressões dela para comigo, embora doam muito, eu sei, no meu íntimo, que não seriam para mim, caso ela tivesse outras pessoas tão próximas dela quanto eu. Então, por isso eu torno a dizer... Estou só nesta batalha. Somos eu e ela, somente, nos construindo, nos desconstruindo, nos agredindo, nos amando. Porque é assim que é. Não sei se outras mães que enfrentam as mesmas batalhas vão sentir-se regozijadas ou se vão me xingar, mas eu sinceramente tinha de me manifestar sobre isso. E, notem, não comparei o abandono com aborto. Porque nós, mães destas crianças, tivemos coragem para tê-las, mesmo assim, sozinhas. Tivemos força para criá-las, mesmo assim, abandonadas. Tivemos orgulho de lutar por seus direitos, mesmo assim, desvalorizadas.
Vocês que acham que a deficiência é culpa da mãe, por qualquer motivo, razão ou circunstância, parem e pensem no que estão fazendo. Somos guerreiras, somos deusas, leoas. Abraçamos nossas crias e as mostramos ao mundo com orgulho, porque são as deficiências, são as diferenças, que humanizam e que, portanto, trazem um pouco de cor a esse mundinho insano e cruel. Eu amo minha filha, apesar de todas as dores que compartilho agora com vocês. Nada mudou isso, nada vai mudar isso. Sei que essas mães amarão seus filhos, lutarão por eles. E isso me basta. Abandono? Preconceito? Dor? Sim, sabemos o que é isso! Não é novidade. Mas cá estamos, Evas, Marias, Joanas, Carinas... Com coragem seguimos em frente porque é isso que fazem as pessoas que carregam no peito um coração! Obrigada, de nada.