quinta-feira, 20 de março de 2014

O silêncio do celular

E aí o celular deixa de tocar... No começo, você estupidamente olha pra ele milhares de vezes e, como não há nada de novo, você se pega relendo as mensagens pela... pela milésima vez e tentando descobrir onde está o erro, onde foi o momento fugaz que culminou neste silêncio avassalador... Um silêncio que corta, invade todos os espaços e que definitivamente não tem como fugir, fingir que não está lá. O silêncio do celular preenche você dele, como se tudo a sua volta silenciasse também. E você passa horas, dias, semanas, olhando pro visor e esperando uma única mensagem, uma única frase, que seria capaz de te salvar de si mesmo. Mas não. A mensagem não vem. E, conforme os dias vão passando, você vai deixando de olhar e vai doendo menos, mas, ainda assim, sempre que você olha o aparelho, sente aquele vazio... 
Aí você baixa músicas legais, troca a capa do celular, tenta achar outras utilidades legais pra ele, mas sempre, sempre que vê aquele sinal de mensagem, o velho frio na barriga volta e aquele resquício de esperança de que pode ser a pessoa, pode ser a tal mensagem que iria salvar o teu dia, a tua semana, o teu ano... Mas não é... E mesmo a mensagem do amigo mais querido perde a graça neste momento... Tudo ao redor já está em preto e branco... 
Na impossibilidade de ter a pessoa de volta, na impossibilidade de ter alguma explicação pelo sumiço, na impossibilidade de voltar a receber tais mensagens, você, depois de alguns dias no mais completo vácuo, finalmente cria coragem de apagar os arquivos já lidos e relidos incontáveis vezes, aquelas mensagens que outrora te fizeram tão feliz, mas que, agora, são apenas palavras soltas a um vento que as carrega para longe da significância que um dia tiveram. Sem elas, o celular fica mais leve de carregar, embora o coração ainda pese.
E todos os dias quando você acorda pela manhã se pergunta quando é que vai ter fim, quando é que o tempo, amigo tão fiel na hora de curar feridas, vai finalmente te distanciar dessa dor maldita, porque, cada vez que toca o despertador, você sente como se carregasse o peso do mundo nas costas, sem ninguém para dividir isso contigo. O trabalho, as leituras, as músicas, deixaram de ter sentido. e, ao olhar para os lençóis revirados da cama que você acabou de levantar-se, vem à tona a lembrança da noite dormida juntos, de ter acordado naqueles braços e de tudo o que foi sentido naquele momento. O primeiro olhar pela manhã. O beijo de bom dia... Coisas que pra você ficaram guardadas como um tesouro, pra ele, talvez não tanto...
Na verdade nem é culpa de ninguém, ambos sabem disso, foi meio que aquela coisa de pessoa certa, lugar errado, ou pessoa errada no lugar certo, vocês nunca irão saber, nunca! O tempo vai passar e tudo o que vai ficar é a lembrança daquilo que poderia ter sido, dos momentos que poderiam ter dividido e não o fizeram por motivos categóricos de suas vidas. O pão quentinho na padaria, o passeio com o cachorro, a caminhada no parque em um lindo por do sol de inverno. A chuva fria nos rostos dos dois naquele encontro casual no final de tarde, as brigas, os filmes de sábado à noite quando dispensaram ir pra um bar com os amigos, os cinemas de domingo... Tudo isso ficou pra trás. E sempre, pro resto de suas vidas, aquela expressão: "e se" irá permear seus pensamentos na hora de dormir... E a saudade louca de tudo o que ainda não viram se manifestará nos momentos mais insólitos, seja na reunião de trabalho, seja ao abraçarem outras pessoas... A dor permanece, mesmo que em um lugar distante. E você nunca terá certeza se dói nele como dói em você. Porque a história, embora tenha te deixado marcas profundas, sequer teve um começo, quem dirá um fim. Ficará para sempre em suspenso... Em algum lugar entre o sono e o despertar... Porque é lá que ficam guardadas as histórias de amor, mesmo aquelas que não aconteceram. É naquele lugar em que elas acontecem, se tornam possíveis, mesmo que inconscientemente. 
E assim, o tempo vai passando e tornando as coisas mais leves, mais fáceis de serem suportadas... Ninguém pediu que você se entregasse, ninguém algum dia te disse que haviam esperanças e você sabe que trilhou por este caminho porque quis e que agora terá de enfrentar os tropeços sozinha. E levantar-se sozinha. Mesmo que não acredite que seja capaz. Mesmo que o celular não toque nunca mais... 


terça-feira, 11 de março de 2014

Ode à futilidade

Lembro-me como se fosse hoje do meu primeiro dia de aula na universidade... A referência que eu tinha de "instituição de ensino" era a escola onde cursei o ensino médio, uma escola bem grande... Mas, a universidade, nossa, era muito maior... Pensava que talvez por já se terem passado mais de sete anos que havia saído da escola, talvez já não me lembrasse mais das proporções... A universidade era gigantesca! E, na empolgação de iniciante, me matriculei nas cinco disciplinas, de segunda a sexta. 
Eis que chega o primeiro dia, segunda-feira à noite. All Star no pé, jeans surrado e casacos, muitos casacos, quem conhece o frio daqui no inverno sabe do que estou falando. Quem me conhece, duplica a quantidade de casacos porque sabe que sou mega "friolenta". Cheguei cedo, pois nem tinha ideia de onde era minha sala. Cedo o suficiente para me entediar de tanto tempo sem fazer nada... Soma-se a isso o fato de não conhecer ninguém naquele lugar que tinha milhares de pessoas. Ninguém mesmo. Andei pelos corredores tentando aparentar normalidade, mas estava apavorada...
Daí resolvi entrar no banheiro, um dos muitos milhares que tem por lá, mas era o mais próximo da sala possível, pois a hora já se adiantava. Tinha um espelho de fazer inveja em qualquer madrasta, que descobri mais tarde ter em todos os banheiros... Sem muitas delongas tentando dar uma guaribada no visual, já me encaminhava para uma das cabines para fazer o meu "xixi pré aula" - o primeiro de muitos outros que viriam depois - quando adentram o recinto três espécimes desprovidas de frio. Entre brilhos e paetês, cores de rosa e purpurinas, pude identificar mulheres loiras ali no meio... Naquele momento, olhei pra minha roupa simplória e me enfiei na primeira cabine que vi. Vergonha foi o primeiro sentimento que tive. "Será que todas as mulheres aqui se vestem assim?" - pensei. Enquanto fazia meu pipizinho, comecei a prestar atenção às conversas, tentando "pescar" os cursos. Deduzi que eram do Direito ou talvez, na pior das hipóteses, da Psicologia (pior das hipóteses porque sempre simpatizei com o curso). Daí, eis que a verdade se revela, quando uma delas menciona uma das disciplinas que havia visto no meu currículo. Pedagogas! Ou aspirantes a pedagogas... Mas ali estavam nada mais e nada menos que futuras colegas de curso. Muitas coisas passaram na minha cabeça: "Será que terei de me vestir assim?", "Vou ter de passar frio pra ganhar algum respeito aqui dentro?", mas, por fim, meu último e definitivo pensamento foi: "Tomara que eu não me transforme nisso no final do curso!" e esse pensamento me preservou de me contaminar com algumas coisas que fui percebendo ao longo do curso. 
Conto essa história porque hoje, quase três anos depois de ter me formado e de estar exercendo a profissão há quase quatro, seguindo firme com meu All Star e jeans surrado, entro no banheiro da universidade em que trabalho e deparo-me com outro exemplar curioso. A menina em questão vestia uma camiseta dos Ramones. Uhulll, algum leitor desavisado vai dizer... Mas espera... A tal da camiseta estava rasgada em lugares estratégicos, tal e qual eu mesma fazia na adolescência para não parecer tão masculina. Mas exageradamente rasgada. E com um corselet de renda branca aparecendo entre as fendas. Tranquilo se a descrição acabasse aí. Mas, não bastasse a camiseta estar forçadamente cheia de decotes cavados à tesoura, ainda estava por dentro da calça, adornada por um cinto de - pasmem - oncinha. Confesso que tive uma vontade louca de puxar conversa com a dita e perguntar que álbum do dito grupo ela mais tinha gostado. Mas tinha certeza de que a pessoa me responderia que só viu em uma vitrine qualquer e resolveu comprar, "já que está todo mundo usando"... Eu estava ali para escovar meus dentes antes de ir para a sala de aula e então tive tempo de ver a menina contemplando incansavelmente a própria bunda no espelho e fazendo um esforço descomunal para enfiar ainda mais a calça no bumbum. Algum método de tortura medieval? Auto punição no estilo seita secreta da igreja? Não seria mais fácil um silício? Tipo, escovei os dentes, entrei na cabine pra fazer o meu "xixi pré aula" e, quando eu saí, a menina continuava no mesmo processo: puxando e puxando a calça pra cima e olhando a bunda no espelho. Saí do banheiro mais do que depressa com medo de ser infectada por essa doença e fiquei pensando: "Tenho que me manifestar sobre isso!"
Vivemos um processo feminista do qual tenho questionado muito. No passado, nossas antecessoras lutavam por igualdade de oportunidades, respeito, dignidade, hoje lutamos por sermos iguais aos homens dentro de um processo histórico que é impossível de apagar. Essa banalização do corpo feminino é culpa dessa desvirtuação da luta. Somos donas de nossos corpos, sim, mas devemos explicações a algumas pessoas a respeito do que fazemos com eles. Simples e direto. Fácil de entender. Será que essas meninas se contentam em serem meros objetos de consumo? Será que academia é mesmo mais importante do que cérebro... Vish, discussão longa, essa... E nem quero entrar, aqui, nos méritos desta questão. Algumas pessoas irão dizer que é recalque, mas não, longe disso... É pena mesmo... Porque reconheço a minha história e me reconheço nela... Cada marca, cada gordurinha, cada celulite é fruto de uma vivência. Sou livre e jamais serei escrava de moda alguma. Essa é a liberdade pela qual essas pessoas deveriam estar lutando. Não ao modismo, não às padronizações, não ao consumo deliberado, inclusive de nós mesmas... Minha barriguinha é fruto de dois partos bem sucedidos que me enchem de orgulho todos os dias. Por que deveria me envergonhar dela? 
Tirando a questão política da coisa toda, outra coisa me ocorreu, essa semana em que estou mais suscetível a observar casais e esses romances que nos cercam no dia a dia - estava escrevendo sobre isso, mas perdi a inspiração de repente - acabei dando-me conta de uma coisa trágica: meninas assim, lindas, com a calça enfiada no rabo e vazias são a preferência nacional dos homens. Os caras buscam meninas assim para namorarem e casarem, para apresentarem às suas famílias. Para o desespero de irmãs, mães, primas que cultivam um pouco o cérebro e tem de fazer sala a esses seres anaencéfalos (sei lá como se escreve essa porra, mas deu pra entender)... O culto pelo vazio não é só culpa nossa, de parte da nossa espécie, que ouve Anitta, mas usa camiseta do Ramones... Mas também é culpa dos caras que não tem a coragem de assumir que preferem cérebro e atitude, sim, talvez não numa embalagem tão bacana...
E assim, minha gente, vai se perpetuando em nossa sociedade o vazio das relações, aquilo que mais odiamos em nós mesmos que, pensamos erroneamente ter surgido por causa da era digital que afasta as pessoas... Eu tenho orgulho de ostentar o meu All Star mesmo depois de pós graduada. Orgulho de não estar no padrão "pedagoga" de ser... E talvez até orgulho de ostentar, a essa altura do campeonato, um coração vazio... Porque, sinceramente, se não for pra somar, se não for pra ficar, que nem venha.