terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Ciclos que se findam



Hoje estou num misto de euforia e tristeza... Virando algumas páginas da minha vida em definitivo... A formatura da minha filha com certeza é um marco de uma delas. Há alguns dias que tenho lembrado, com certa nostalgia, de toda caminhada até aqui... Já falei outrora do quanto batalhei para mantê-la no lugar que considerava o certo para ela. Não me arrependo nem um pouco disto.
Imaginem que uma criança poderia viver isolada, poderia viver sem ter uma linguagem, sem ter comunicação com as pessoas mais próximas a ela... Imaginem esta mesma criança se relacionando num futuro, não muito distante, porque o tempo passa muito rápido. 
Quando a Júlia tinha dois anos fiz meu primeiro curso de Libras. Quando ela completou três anos e meio, procurei a primeira escola, mas essa mesma escola não oferecia o ensino que eu acreditava ser o ideal, por isso ela não continuou lá... Foi então que, quando ela tinha quatro anos e meio, aceitamos o desafio de irmos para longe de casa, enfrentamos o desconhecido porque eu acreditava que a educação especial era o lugar dela... e, infelizmente, não temos escolas especiais em qualquer esquina.
A partir daí, essa história começou a modificar-se... A criança que poderia ter passado anos de sua vida sem linguagem e sem comunicação, passou a ter uma, passou a informar e ser informada das coisas mínimas do dia a dia e isso fez toda a diferença na vida dela. Percebi, então, no quanto eram importantes as pequenas coisas e que ela, assim como o Luan, seu irmão, também seria criada para o mundo... E não poderia ser diferente!
Poderia discorrer aqui as chuvas, os temporais que pegamos em nossos caminhos, mas prefiro discorrer sobre as flores, os frutos que colhemos... Conheci inúmeras pessoas, que concordaram comigo ou que me fizeram repensar e/ou ter certeza de algumas coisas... Algumas pessoas que fazem parte da minha vida até hoje, outras que me ensinaram coisas importantes e foram embora... 
Mais do que nunca, tenho certeza plena e absoluta de que fiz o que era certo. Foi a educação especial que colocou a minha filha no mundo depois de mim.
E, para aquelas pessoas que acreditam que a inclusão é melhor porque os surdos precisam se adequar ao mundo ouvinte, tenho uma pequena mensagem para vocês: "Não, não se preocupem, não mandarei vocês à merda, como vocês bem mereceriam, mas o que eu tenho a dizer é que a inclusão minoriza o surdo, faz com que ele se sinta inadequado, deslocado, imperfeito... Minha filha se aceita como é, linda e perfeita, se vê completa porque teve professores que mostraram isso a ela no dia a dia, porque pode conviver plenamente com seus pares e isso é maravilhoso! Fui eu quem me adequei a ela e não ela a mim, como tudo deveria ser... E mais: eu tento fazer com que meus alunos surdos se sintam assim como ela, completos! Pena que vocês não consigam ver a grandeza que há neste outro mundo, nem pior nem melhor do que o nosso, apenas DIFERENTE!"
Findando este ciclo de minha vida, de nossas vidas, me sinto orgulhosa e envaidecida do que me tornei. Poderia dizer a todas as famílias, como de fato faço quando tenho a oportunidade, que a Libras foi o melhor caminho, embora não tenha sido o mais fácil. O medo do desconhecido muitas vezes tentou me paralisar, muitas vezes me fez pensar em abandonar tudo. Mas encontrei forças nos meus filhos, como sempre o faço, e criei uma pequena comunidade bilíngue dentro da minha própria casa.
E agora vamos embora para as outras lutas que se seguirão a partir de agora, ensino médio, faculdade, especializações... E estarei aqui, batalhando para que seja de qualidade e, principalmente, para que respeitem as particularidades dela, em qualquer lugar, porque ela é capaz e muito, mas muito especial! Como cada um de nós!


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Todos temos histórias para contar!


Ontem voltei a um lugar que há muito tempo não ia... Anos se passaram desde a última vez que pisara ali e voltar, depois de tanto tempo, fez com que eu remexesse em coisas que estavam guardadas em algum lugar aqui dentro.
Tem lugares que deixam o passado em suspenso... Lugares em que você ainda pode se ver fazendo as velhas coisas, revivendo as mesmas cenas...
Quando este passado é de lutas e sofrimento, a velha dor volta. Inevitável! Passei por longos anos ali. Um lugar que me era completamente estranho, mas que, com o passar do tempo, fui tomando posse das ruas, dos lugares e foi se tornando familiar.
Reconhecer os antigos lugares hoje me é doído, pois o contexto de outrora não era dos mais leves, não era simples... Relembro um passado de batalhas, em que ficava horas e horas do meu dia longe de casa com meus filhos pequenos, mas era necessário...
Descobri que Esteio poderia ser uma cidade tão boa quanto São Leopoldo, sonhei em mudar para lá durante muito tempo, pois passou a ser tão parte da minha vida, das nossas vidas, quanto a cidade em que nascemos.
Reviver, repensar, redescobrir, voltar sob um novo contexto me é extremamente prazeroso. Olhar para o velho com um novo jeito de olhar e isso é extremamente importante. Reconhecer o quanto cada história, cada época, cada momento, nos oferece algo de bom, por mais difícil que possa parecer no período em que o estamos vivenciando...
Histórias, todos temos, elas fazem parte do que somos, nos constituem enquanto pessoas, seres humanos... Vamos nos traduzindo, transmutando através de nossas vivências... Quando um passado é de superação, como este, vale a pena ser revisto... 
Quando fui embora, lamentei pelas amizades das quais me distanciaria, sabia que seria difícil manter as tais amizades com a distância em quilômetros, mas, ainda assim, a vida me oferecera oportunidades de ver aquelas vivências com certa nostalgia. 
Hoje posso falar com muito orgulho que fui e sou uma mãe que lutou e ainda luta por ideais. Mas hoje, além de mãe, também sou profissional. E é este novo contexto que apresento. Porque, infelizmente, ou felizmente, há saberes que são mais reconhecidos no meio acadêmico. Minha experiência de 14 anos como mãe de criança surda nada vale frente ao meu diploma, de uma faculdade cursada em cinco anos. Mas, se é isso que exigem, é isso que agora ofereço!
Alguns olham o lugar em que estou hoje e dizem que tive sorte... Mas, olhando para trás, para os anos em que fiquei sentada num banco, esperando por minha filha, enxergo as muitas lutas e medos enfrentados com dignidade. Não tive sorte, ou até tive, mas lutei muito e carreguei muita pedra para chegar até aqui... E, olhem bem, não estou nem na metade do caminho. Ainda tenho muita história por escrever! E para contar, então... Com muito carinho, com muito orgulho! Pois tem coisas que não devem ser esquecidas.