quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Outras moradas...


 Fazem dias que fizemos deste novo lugar nossa morada. Eu não esperava. Ninguém esperava. A gravidez da Ju vinha bem. A Ju sempre foi mais forte que eu. Estava ativa, saudável, estávamos fazendo planos... Chá de fraldas, book que ganhou de uma amiga minha... Enfim...

De repente, um mal estar nos trouxe aqui e aqui estamos sem data para sair. Não tem como eu não me lembrar, automaticamente, das tantas vezes em que estivemos, eu e ela, nos mais diversos hospitais de Porto Alegre, numa peregrinação incansável, exames e mais exames, buscando a causa (ou a cura?) da surdez. Outras tantas em que a asma, a pneumonia, alergias diversas me fizeram questionar inúmeras vezes a existência de uma divindade...

Fizemos, com nossos olhares sempre cúmplices, antes mesmo de nos comunicarmos, de muitos "não lares", nossos lares. Longe de casa, só tínhamos uma à outra. E ali foi se construindo uma relação que vai, até hoje, muito além da maternidade. Uma relação forjada na dor, no sofrimento, mas também num laço fraterno difícil de definir às pessoas que não convivem com uma deficiência.

Foram muitos dias fora de casa, inclusive quando iniciamos o processo de escolarização. A escola especial era em outra cidade e nos obrigava a ir "de mala e cuia" pra passar a tarde lá esperando. Outros mundos que foram se revelando e se fazendo um pouco "nossos". 

Júlia sempre foi uma grande guerreira, desde que veio ao mundo. Lutou pela vida dentro de mim e seguimos lutando juntas quando ela conheceu o mundo. Jamais esquecerei os olhos de jabuticaba me fitando na maca ao lado naquela manhã fria... Apgar 2, passou ao 8. Ela queria viver. E eu a queria tanto! 

Hoje estamos aqui nesse lugar que não sabemos por quanto tempo será nossa morada também lutando pela vida. Mas a minha certeza de que o Nicolas é tão forte quanto nós duas e voltaremos ao nosso lar ainda mais unidos é o que me faz esperançar todos os dias. 

Eu sou a única pessoa que pode fazer outras moradas com ela, e isso às vezes é um privilégio e às vezes é um peso. Sou a única pessoa da família que se comunica plenamente com ela. Antes porque era mãe, a linguagem era umbilical. Hoje porque sou a única que aprendeu a língua dela. Como eu sempre disse, nunca coloquei a responsabilidade em ninguém. Eu assumi e assumo. Mas às vezes é triste. Mais pra ela que pra mim...

Ontem eu a vi frágil. Chorou pedindo pra ir pra casa. Eu fico destruída por dentro. Mas tudo isso é parte do que vamos sendo. As lutas, muitas lutas... As vitórias, as derrotas... Hoje esperançamos, as duas, voltarmos ao nosso castelo. Mas, se não der, não importa, estamos juntas e fazemos ninhos em outros lugares, porque lar é onde o amor está. 


domingo, 1 de novembro de 2020

Um novo tipo de solidão

 


Gosto de fechar os olhos nos dias de vento e deixar o sol brincar de caleidoscópio com o balanço das folhas das árvores. De olhos fechados, "vejo" o jogo de luz e sombras incessante que rapidamente me remetem aos dias de verão da minha infância...

Hoje o vento está frio, mas o vento morno do verão me traz de volta cheiros e sensações (às vezes não tão boas). Acho que amo o verão por isso. Por esses momentos que só dias solares proporcionam...

Eu, apesar de ter muitos primos que também iam na casa da minha avó, sempre fui muito sozinha (não sou daqui, lembram?) e, na vida adulta às vezes esse sentimento de solidão fica diferente.

Recentemente abri mão de relações sem afeto e sem futuro. Sei que foi uma escolha correta e não questiono isso. Mas a falta da presença virtual dessas pessoas às vezes ainda dói. É um novo tipo de solidão. 

O advento das redes sociais se fortaleceu diante da pandemia e, muitas vezes, nos proporciona estarmos próximos de quem está distante. Mas, para uma pessoa ansiosa como eu, é uma eterna espera. Uma expectativa doida de que alguém tenha interagido. Aí o lance de não desligar nunca, estar sempre cuidando pra ver se tem alguma mensagem e a tristeza de saber que nenhuma mensagem será de nenhuma dessas pessoas...

A gente demora a acostumar com as ausências. Demora mais ainda quando a impossibilidade é dada pela vida. Não foi escolha nossa, mas teve que ser. Melhor doer agora do que deixar destruir tudo pra ter que reconstruir depois.

Então, quando fecho os olhos numa tarde de domingo, curtindo o farfalhar das folhas nas sombras dos meus olhos fechados, é paz ou solidão? Um pouco dos dois, eu diria... E tá tudo bem! Não vai doer pra sempre. Nunca dói pra sempre!