Eu sou mãe de
uma menina surda, hoje ela está com 14 anos, mas minha caminhada e minhas lutas
acerca da causa começaram há muito tempo. Fiz minha formação pensando em
aprender maneiras de lidar com ela e potencializar o seu aprendizado, hoje sou
pedagoga em educação especial e intérprete. Atuo também como professora de AEE
de surdos. Minha filha sempre esteve dentro do ensino especial, o que, durante
muito tempo, precisou do meu sacrifício para que pudesse se concretizar:
levava-a até a escola e ficava a tarde toda esperando por ela, uma vez que era
impossível voltar para casa. Assim sendo, o irmão dela também acabou tendo de
se moldar a esta realidade, começando seus anos de escolarização em Esteio, ao
lado da escola em que a Júlia estudava. Optei pela educação especial porque
entendia o quanto era importante para ela estar dentre seus semelhantes, ter
professores surdos que certamente serviriam de exemplo para ela, ao longo de
sua vida. Ao longo da faculdade, tive como estudar a inclusão, me aprofundar
neste assunto, embora jamais tenha pensado que seria uma opção para a minha
filha. Muita coisa aconteceu desde então, trabalhei anos com educação ambiental
e fora da minha área, até surgir um contrato para ser intérprete pelo Estado,
que foi a oportunidade que tive de trabalhar com o que sempre gostei: educação
de surdos.
Estou
trabalhando há um ano e meio nesta área e devo dizer que hoje vejo que
caminhamos lentamente rumo a um processo realmente democrático e inclusivo. Paciência
histórica, precisamos de paciência histórica, me disse minha prima que também é professora. Paciência histórica
para sabermos esperar o tempo necessário para que as mudanças se estabeleçam.
Eu busquei ter esta paciência, mas não me abstive de lutar pelas coisas que
considero certas. Difícil esperar quando as mudanças urgem também. Trabalhei
durante o ano passado com um aluno que, além de surdo, tinha algumas outras
deficiências, inclusive motora, um aluno que, a meu ver, simplesmente fora
jogado ali. Os professores, em sua maior parte, sequer tomavam consciência da
presença do aluno ali. Planejamento especializado? Lenda! Ali começou uma
discussão sobre a função da intérprete dentro da sala de aula e muitas e muitas
atrocidades ocorreram até a mãe deste aluno resolver retirá-lo da escola este
ano. Lamentável.
Eu penso que
ainda estamos nadando contra a corrente quando nos referimos à inclusão de
surdos. Ainda temos muito que aprender. Vejo pessoas especialistas falando
equivocadamente da educação de surdos, até porque não fazem a distinção de
surdos e deficientes auditivos, o que o próprio Capovilla (2010, pág 08) diz
ser uma aberração. Para mim, é óbvio que o deficiente auditivo pode se adequar
à escola inclusiva sem requerer muitas adaptações ou mudanças. Mas e o surdo? O
sujeito que só usa e se comunica através da Libras, onde fica nesta história? Ele
dependerá única e exclusivamente da boa vontade e, principalmente, do
conhecimento de suas intérpretes. E, minha gente, depender de conhecimento é
uma coisa muito séria quando falamos de educação, porque a maior parte dos
professores e educadores que conheço se contenta com o ensino
institucionalizado e com os diplomas, ninguém se informa, ninguém segue lendo a
respeito de nada. Se não tiver certificação, não há formação. E seguem as práticas
arbitrárias, a falta de sensibilidade e ética e a inclusão de surdos sendo
operada como se fosse qualquer outra.
Sinto-me de
mãos atadas, sinto que as mudanças pelas quais lutei ao longo deste ano,
seguirão utópicas, pois o discurso que impera é o da facilitação do trabalho.
Intérprete só quer a neutralidade porque a neutralidade não requer trabalho e
nem estudo. Vou, interpreto a aula e vou embora, tendo cumprido o meu horário.
O surdo que se vire no restante do tempo. Neutralidade não existe na educação,
insisto em dizer. E ,
como Freire mesmo fala, por trás da neutralidade também há uma
intencionalidade. A partir de outras desistências que ocorreram neste ano,
sinto o peso do fracasso em minhas costas. Não há como não sentir! Muita coisa
tem de ser debatida e confrontada. Urge que a função do intérprete nas escolas
seja homologada e que sejam pensados em deveres destes profissionais através
de pesquisas e de muita contestação, urge que o surdo seja ouvido, que ele
mesmo fale sobre como quer que ocorra seu processo educativo, urge que a escola
inclusiva coloque a Libras em seu currículo – não somente no Magistério – para
que a inclusão passe a tornar-se uma realidade.
Aprendi que
incluir não é apenas “colocar para dentro”, que incluir requer mudanças
significativas, afinal, inclusão/exclusão são duas das faces de uma mesma
moeda. Não podemos jamais nos esquecer disto. A partir do momento que eu olho
para meu aluno surdo – e estou falando de surdo mesmo, não deficiente auditivo
– e digo que ele que tem que se adaptar ao mundo majoritariamente ouvinte,
estou esquecendo de que este sujeito é histórico e cultural, de que este
sujeito constituiu uma identidade diferente da minha e que, portanto, deverá
ser atendido e respeitado nas suas especificidades. Mas, tudo isso, todo este
discurso, faz parte dos jogos de poder que permeiam as instituições, enfim, há
uma intenção bem clara nele, ela traz vantagens a quem o promove e uma destas
vantagens é não ter de “desarrumar” a casa para receber a diferença. Visão integracionista
da inclusão, de que é o sujeito que se adapta ao meio. Esta visão nem existe
mais, uma vez que a própria Declaração de Salamanca já diz que o surdo, devido
à sua particularidade lingüística, seria melhor atendido nas escolas e classes
especiais que visam a educação bilíngüe.
E a gente vai
cansando deste tipo de gente e deste tipo de discurso. Não estou dizendo que
não acredito na inclusão. Longe disso. Mas considero que mudanças devem ser
feitas, as pessoas devem parar de entender a surdez como um déficit, uma
deficiência, uma falta... O surdo é um sujeito que está dentro de uma cultura
diferente da nossa. Da mesma forma que os índios, os judeus e os muçulmanos.
Portanto, a inclusão deve ser pensada a partir disso: como acolher esta diferença
em minha sala de aula? Chega de
pensarmos em meios de reabilitação, o surdo não precisa ser reabilitado, ele
precisa ser entendido! Então, que a luta pelo respeito à língua siga adiante,
que o ensino bilíngüe preveja um futuro para estas crianças e adolescentes e
que a cultura surda permaneça!
Carina, desde a época da Graduação em Educação Especial, qdo era aluna da profª Marcia Lise Lunardi (UFSM), e nós discutíamos sobre Educação e Cultura Surda, eu já pensava exatamente assim. Segundo os modelos educacionais vigentes, eu não vejo inclusão. Nem mesmo com a presença do Intérprete, como impõe o MEC. Eu sempre fui favorável à escola bilingue, como forma de respeito ao sujeito surdo. Surdez não é falta, não é deficiência! Surdez é diferença linguistica. Somente entre seus pares, o sujeito é capaz de conquistar seu espaço, consolidar sua identidade surda. Isso não se conquista através de um intérprete. O intérprete faz o elo com a sociedade ouvinte. Infelizmente, o tempo urge e não podemos apenas lutar contra a escola inclusiva. Precisamos travar essa luta paralelamente ao AEE. É preciso que o surdo se dê conta de sua capacidade e lute por seus direitos! Que possa conhecer líderes surdos e através desses modelos, construa sua própria caminhada. Assim, deixo aqui meu apoio total à escola Bilíngue.
ResponderExcluirObrigada, Laura, por compartilhar de tuas opiniões comigo, assim vejo que não estou tão sozinha... Infelizmente (ou felizmente) a luta segue, digo infelizmente porque, se temos de reivindicar algo é porque isto nos é, de certa forma, negado... Mas seguir adiante é preciso! Com a esperança de que, num dia não muito distante, consigamos de fato respeitar e conviver com - todas - as diferenças!
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