Então é assim, exatamente assim que era pra ser... Cresci acreditando em algo, alguma coisa que pudesse me resgatar, me tirar das velhas flanelas da infância. Durante muito tempo acreditei em heróis, fadas, duendes, o fantástico mundo que me absorvia nos momentos de solidão e desespero. Meu pai durante muito tempo fora meu herói... aquele por quem eu esperava ansiosa na janela da frente de casa, aquele que vinha me resgatar do quarto decrépito e mofado, com fraldas penduradas por todos os lados, móveis apertados... Mas muitas e muitas noites a espera era em vão. O mundo de fantasia que eu criava olhando para a rua, tentando reconhecer em cada farol aquele farol que iluminaria meus dias, acabava indo embora e eu tinha de voltar à dura realidade que me assolava. A velha cama e o sono do esquecimento, era, então, o meu destino.
Depois, muito depois, fui criando outras ilusões, outros mundos... Meu pai seguia sendo minha referência, mas não mais como antes... Já sabia que ele não me salvaria de nada, embora eu ainda quisesse...
Acabei acreditando que existiria alguém, um alguém que viria de longe e que me levaria, também, para longe. Tal qual vemos nos contos de fadas, projetei o tal "príncipe" em cada carinha com quem me relacionei desde então. Cada um foi uma possibilidade de príncipe perdida... Pior do que isso, foi uma parte de minha própria alma arrancada de mim mesma...
Durante muito tempo sonhei com o momento de ser salva. Muitas e muitas vezes me perguntava do que queria ser salva e a resposta era sempre a mesma: de mim mesma. Sim. De mim mesma. Sempre fui o meu próprio algoz... Difícil de entender... Até considero que, no fundo, o que eu queria mesmo era que alguém viesse e me entendesse... Entendesse esse meu instinto suicida e segurasse minha mão até mesmo quando eu acho que tudo está perdido por bobagem...
É muito estranho olhar para trás e poder ver tudo isso. Desencantei... Como na música do Cazuza, hoje acho muito mais importante a "sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida..." do que encarar os desafios de uma paixão sem limites. Tudo que esperei até hoje foi em vão... Aquelas histórias de filmes, de amores impossíveis, que requerem doação, dor, sofrimento jamais puderam existir. Nem lá fora e nem aqui dentro. Ter com quem dividir certos momentos é muito mais importante do que o frio na barriga, a vertigem e o medo do desconhecido.
Também aprendi a valorizar o momento. Sem expectativas, sem planos. Envelhecer junto? Ser amada e cuidada na saúde e na doença? Não. Definitivamente não. Histórias assim nem em filme mais. Não dá certo. Percebi que sou a responsável direta e única por minha própria felicidade. Fazer o que? Colocá-la nas costas de outra pessoa seria duro e cruel demais. Então vou criando meios alternativos de sobreviver em meio a tudo isto. O desencanto é parte do crescimento, apenas isso.
Alma Gêmea é marketing, coisa de quem precisa vender livros e histórias. Desculpem-me aqueles que acreditam. Desculpem-me as crianças e adolescentes que precisam destas e de outras ilusões, mas sinceramente, somos nós que fazemos dar certo ou não cada história. Não existe destino, existem escolhas. E não é tão simples assim. Não é. Desencantar-se é um processo bastante dolorido. Doeu demais em mim. Mas fui-me dando conta de que, a cada fracasso, a dor parecia maior porque tinha guardado a esperança, tinha acreditado que aquele podia ser ele. Ele. Aquele que ia me salvar, lembram? Tive de deixar de lado essa crença idiota. Tive de abandoná-la para conseguir sobreviver. Para conseguir emergir depois de cada mergulho profundo em mim mesma. Não foi fácil.
Mas, enfim, não fiquei amargurada e nem nada. Sou feliz. Tenho momentos tristes, como todo mundo, mas sou feliz de um modo geral. Mesmo não sendo salva. Ou melhor, mesmo tendo de salvar a mim mesma. Vou dividindo minha vida e meus momentos com aqueles que se importam, com aqueles que não sentem necessidade de me modificar, que me aceitam com minhas inúmeras imperfeições e imensos abismos. Esses dias alguém me disse: "Gosto quando você se aproxima, fica mais carente..." Eu não gosto. Preciso da distância regulamentar que me separa do resto. Necessito do abismo... Mesmo que fique fora dele. Mas vou abrindo concessões e de vez em quando me deixo ser cuidada... Mas só de vez em quando. Porque aprendi a ser forte. Mas, acima de tudo, porque aprendi a não esperar nada... de ninguém!
Adorei!
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