terça-feira, 19 de agosto de 2014

Um do outro

"Eles se amam. Todo mundo sabe mas ninguém acredita. Não conseguem ficar juntos. Simples. Complexo. Quase impossível. Ele continua vivendo sua vidinha idealizada e ela continua idealizando sua vidinha. Alguns dizem que isso jamais daria certo. Outros dizem que foram feitos um para o outro. Eles preferem não dizer nada. Preferem meias palavras e milhares de coisas não ditas. Ela quer atitudes, ele quer ela. Todas as noites ela pensa nele, e todas as manhãs ele pensa nela. E assim vão vivendo até quando a vontade de estar com o outro for maior do que os outros. Enquanto o mundo vive lá fora, dentro de cada um tem um pedaço do outro. E mesmo sorrindo por ai, cada um sabe a falta que o outro faz. Nunca mais se viram, nunca mais se tocaram e nunca mais serão os mesmos. É fácil porque os dias passam rápidos demais, é difícil porque o sentimento fica, vai ficando e permanece dentro deles. E todos os dias eles se perguntam o que fazer. E imaginam os abraços, as noites com dores nas costas esquecidas pelo primeiro sorriso do outro. E que no momento certo se reencontrem e que nada, nada seja por acaso."

(Tati Bernardi)

Já faz algum tempo que armazenei este texto no Blog... Um texto que resume o que tem sido a vida dela até aqui. Por isso ninguém se aproxima, por isso ninguém a olha além da carcaça. Porque é fácil perceber o quanto dele ficou dentro dela. Sim, apesar da falta que ele faz, ela seguiu a vida dela, tentou com outros caras, mas concluiu que sempre buscará por ele em quem quer que seja... Então, se adequou à solidão, buscou nos amigos e familiares o amparo porque este vazio algumas vezes fica insuportável. 

Ela se formou, fez pós graduação, especialização, aumentou a carga horária de trabalho até a exaustão. Chega em casa, alimenta os gatos e vai pra cama, sem tempo de pensar muito na saudade. Mas sempre torce pra sonhar com ele. No mundo dos sonhos, quem sabe, eles podem ficar juntos novamente. 

Sabe o quanto tudo se tornou impossível para eles nesta vida. Sonhava com uma possível reencarnação para resolver as coisas, mas o fato dele ser cristão e ela pagã meio que atrapalhava essa expectativa. Ele não acredita em outras vidas. Mas também sabe da impossibilidade de as coisas se ajeitarem nesta. Então, ela pensava, como viverei esta e outras vidas na impossibilidade de acabar com esse vazio, na impossibilidade de resolver de vez essa história? O foco na vida profissional não fez com que ela esquecesse. Dormia pensando nele e acordava pensando nele. No fim das contas, voltar a falar com ele como amiga não foi uma boa ideia. 

Saber das coisas dele não é tão legal quanto parecia no começo, porque fica fácil de perceber o quanto ele está distante, o quanto o sentimento ficou somente nela... Alguns dias ela reza e pede por uma terceira pessoa, alguém que a tire deste oceano sem fim, nem que seja pra viver na tranquilidade, não mais nesta onda de paixão e medo que ela vivera ao lado dele e hoje vive sem ele. Alguém que não seja tão complicado, que traga apenas "a sorte de um amor tranquilo"... Mas esse alguém não chega nunca... E ela cansou das baladas e das ficadas, relações vazias que não duram muito mais do que alguns encontros. Escolheu, então, ficar sozinha. E isso de vez em quando provoca uma dor tão grande nela, mas tão grande, que ela acorda pela manhã e toma banho, café, vai trabalhar, como uma autômata. Como se estivesse fora do seu corpo, sua alma ficara em algum lugar, adormecida. Só assim consegue sobreviver à dor que este vazio provoca. 

Os dois se falam. Quase todos os dias. Por vezes se recordam juntos de alguns momentos vividos, mas, no geral, tentam mesmo se comportar como velhos amigos. Ele começando uma faculdade, ela começando a terceira especialização. Falam sobre trivialidades. E dói muito nela pensar que jamais poderá falar novamente de seu amor. Jamais poderá dizer "eu te amo" de novo. Porque isso o afastaria. E porque daria poder a ele de fazer o que quisesse com esse amor. Não. Não podia arriscar. Porque esse amor já fora massacrado, pisoteado e enfeitiçado demais pro gosto dela. Que ficasse guardado, lá dentro, mesmo que doesse por demais. E a impressão que ela tem é de que essa é uma ferida que nunca sara. Nunca. E anos já se passaram desde o fim. Encontrou e-mails em sua caixa trocados pelos dois na época do fim, ficou com raiva dele, tentou dizer para si mesma do quanto não valia a pena. Tentou se recordar apenas das brigas, dos momentos de angústia, mas era impossível. Tentava esquecer. Mas isso era mais fácil antes. Porque ela já estava esquecendo do rosto dele, até aquela tarde de sol em que se reencontraram. Agora, ao tentar esquecer, lembrava ainda mais. O rosto, os olhos, o sorriso. Uma tortura tão imensa que por vezes ela pensa que sumir talvez seja a única solução. 

Não pode excluí-lo de vez de sua vida, porque estaria mostrando a sua fraqueza, não pode deixar de falar com ele sem dar uma explicação, pois isso despertaria o instinto vingativo dele. Então ela vai suportando, um dia de cada vez, a conversa fiada com ninguém menos que o grande amor de sua vida - que fala em outras, que fala que ela deve buscar outros - sem ter a noção do quanto essas coisas a machucam. Todos os dias, quando ele a chama, ela guarda, lá no fundo, a esperança de que seja uma confissão de amor, de que seja uma mensagem do tipo: "A quem estamos enganando? Eu te amo, quero ficar com você, onde posso te encontrar?" A única certeza que ela tem é que ela iria correndo. Assim, sem pensar. Voaria aos braços dele. Apostaria tudo. Mas ela sabe que isso não vai acontecer. Ele sempre enfatiza: "Somos amigos!" E assim, ela vai morrendo aos poucos, a cada dia que passa, por saber que é nos braços de outra que ele encontrará a paz. É nos braços de outra que ele vai viver os momentos mais importantes de sua vida, formatura, compra da casa, casamento, filhos. Não suportaria estar por perto quando isso acontecesse. Pensou em mudar de cidade inúmeras vezes. País. Planeta, talvez. Qualquer lugar que não tivesse a presença dele nas ruas. As lembranças dos dois nos lugares. 

A verdade é que ele jamais saíra, por um minuto sequer, de dentro dela. Nem quando ela esteve com outros. Outros mais bonitos, mais interessantes, mais inteligentes. Nada, nem ninguém neste mundo insano faz com que ela esqueça a intensidade do olhar que ele lhe lançava e o quanto esse brilho foi se apagando no final. Culpa-se por isso todos os dias. "Matei o amor dele por mim", ela pensa. E já não sabe mais se estar com ele ou longe dele é o que a faz sofrer mais. E é por isso que tudo é tão impossível entre eles... E essas impossibilidades tomam conta de tudo... Ele torce pra encontrar um novo amor. Ela torce para que ele a reencontre. E assim os dois vão fingindo. Que pode haver amizade depois de um amor que queimou quase tudo. De um amor que, de tão intenso, nem as cinzas restaram. Levadas pelos ventos das lembranças para muito longe. Outro dia ele falou da música que era deles. Ela nem se lembra mais... Porque outras coisas ficaram. Mais doloridas... Ela realmente espera que essas feridas sarem e que uma outra pessoa possa apagar tudo isso de dentro dela. Que arranque ele de dentro dela e que, assim, dessa maneira, ela possa continuar vivendo. Mesmo sem o pedaço de sua alma que ficou presa a ele. 


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