Sentada na minha sala, a sala de recursos da escola, ouvindo "Over the hills and far away", do Led Zeppelin, sem alunos para atender, me pego absorta em mil pensamentos, quisera tivesse uma cerveja para conseguir expressar melhor as coisas que me vem à mente, aos turbilhões, brotam tal e qual goteira no telhado, queria poder organizá-los, mas ultimamente não tenho conseguido concentrar nem nas minhas leituras. Tentei reler Dostoievski há umas semanas atrás e não consegui passar da primeira página. Lamentável. Preciso de conteúdo, já que academia não consigo mais sequer pensar. Falta grana e falta, principalmente, paciência pra conviver com a futilidade, mais que já convivo. Sei lá, no trabalho já tem o bastante, imagina só pagar pra conviver com algo que detesto. Preciso de conteúdo porque, no final das contas, no final de tudo, é só ele que vai restar. Então, já que Dostoievski não deu, leio poesia. Poesia tem dado certo. Mas meu déficit de atenção permanece...
Começa a tocar Queens of the Stone Age e alguém me chama no Whats: "Cara de sapeca que você tem", respondo com um: "Em que sentido?". Sei o sentido. Sei a intenção. Mas curto me fazer de boba, deixar que acreditem numa inocência que não tenho desde muito tempo. Aliás, nem sei se algum dia tive. Um cara qualquer, de um site de relacionamento qualquer. Não sei nem o nome. E não tenho como procurar porque nem sei onde foi que nos conhecemos. Está lá, um número de telefone qualquer que não me diz nada. Absolutamente nada. Um número. Engraçado esse lance com números. Quando deixamos de lado as nossas histórias, nossas almas, nossas identidades e nos tornamos um simples número. Dentro de empresa grande acontece muito disso, mas na vida pessoal, está acontecendo agora. E nem sei se isso é culpa das redes sociais ou se é culpa da forma com que a humanidade tem visto as coisas.
Sou um número pra muitos dos caras, a número dois da semana, a número doze do mês, a número 37 do ano. E muitos também o são para mim. O seis da semana (sim, sinal que tiveram outros cinco antes dele!), os números servem exatamente pra isso: descaracterizar. Tornar impessoal algo que poderia ser pessoal. Muitos se tornam nomes. Sim. Nomes na agenda, nomes nas conversas com as amigas mais chegadas. Sim, é uma escolha. Mas também existem razões específicas pelas quais eles ganham uma identidade: as conversas para além do sexo, as cervejas tomadas e as discussões via WhatsApp que nunca dão em nada. São aqueles que voltam, que ficam. Por algum motivo que é deles, que não sei explicar. Mas que não é apego.
Aí, ao som de "Unwell", do Matchbox Twenty, releio o que escrevi até aqui e penso: impublicável este texto. Certamente vai decepcionar muita gente. Vai? Ahhhh, já nem quero mais saber. Estes dias, em uma conversa com um amigo, um dos que tem nome, idade, endereço, surgiu essa expressão sobre o desapego, falávamos algo sobre como o amor complica as relações, faz tudo ficar complexo, coisas que eram pra serem tão simples tornam-se uma tempestade, bagunça tudo. O desapego é um anjo nos dias de hoje. Não cobra, não machuca, não dói. Você simplesmente não guarda expectativa porque realmente não espera nada daquela pessoa. E tem momentos legais? Tem, sim. Tem jantares, cervejadas, chimarrão com chocolate e muitas risadas. Mas são impublicáveis porque não existe a necessidade de mostrar que você, mesmo sem um relacionamento fixo, também vive as coisas que as pessoas mostram no Instagran. Os rótulos são desnecessários. Você vive mil horas em apenas duas e vai embora. Volta pra sua vida, pro seu espaço, sem precisar do conflito da invasão.
Tenho muita história pra contar. Histórias que talvez deixassem o Henry Miller e a Anais Nïn com vergonha ou com inveja, vai saber. Fui a lugares que pensei: "Nossa, se a Nïn visse isso!". Estou fora de padrões em todos os sentidos e nunca fiz questão de estar. Isso inclui, por certo, a parte de relacionamentos. Por que, afinal, devemos fingir a perfeição onde não existe? Hoje entendo que muitas vezes tem muito mais verdade numa trepada (fiquei cerca de dez minutos pensando na melhor expressão a usar, mas que se foda também) bem dada do que num "eu te amo", dependendo de quem o diz. E, olhem bem, não estou afirmando que o amor é algo ruim. Mas, de fato, o desapego tem me ajudado a ficar longe dele. E tem sido bom. Exigir reciprocidade e exigir o que me é meu por direito. Não aceito nada menos do que isso. Tenho minhas condições, escolho e vou embora na hora em que bem entendo. Sou caçadora. Mas por vezes deixo que me cacem, só às vezes. E é tão bom ir embora dos outros quando não posso ir embora de mim mesma... E desapegar na mesma velocidade e proporção com que me apego. É uma dádiva, uma bênção... E, pro Cazuza, que dizia que "só as mães são felizes", eu digo: "Não, Cazuza, só os desapegados são felizes!"
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