quarta-feira, 24 de agosto de 2016

As tecnologias que separam

De repente, uma televisão funcionando em casa já não é mais o suficiente. Falo de televisão com internet, sabe, dessas que assistimos Netflix e YouTube... Porque televisões normais já não bastam há tempos. Dvd? BlueRay? Não, o negócio é SmartTV, de preferência, uma em cada peça da casa para que possamos exercer a nossa liberdade de escolher o que queremos olhar ou ouvir...
Ontem ainda pensei, no tempo em que passei parte da minha infância na casa da minha avó, que na verdade era bisa, mas, no fim das contas, foi a única avó que conheci (mas isso não vem ao caso agora), a gente se reunia na sala, a família toda, para assistir o telejornal e as novelas, todos os dias, depois da janta. Havia um tratado não declarado, no horário do telejornal, nós, as crianças, mal podíamos respirar, não podia haver barulho e, nessa de fazer silêncio, era inútil tentar prestar atenção no que passava na televisão porque não entendíamos nada: alta do dólar, inflação, bolsa de valores... Era tudo grego pra nós!
Surgiram aí algumas manias, como a de abrir as portas dos armários com os pés e ficarmos eternamente balançando, durante todo o horário do jornal televisivo, era uma distração, a menos que abríssemos alguma porta que rangia, nosso "tique" sequer era percebido pelos adultos que ali estavam...
A hora da novela já era um momento mais ameno, as pessoas tiravam, aquelas expressões rudes das faces e a conversa habitual voltava ao ambiente, muitas vezes dando abertura a nós, crianças de participar. Mas o legal é que agora podíamos respirar e fazer barulho enquanto tomávamos nossos refrigerantes remanescentes da janta.
O fato que quero expor, meus amigos, é que, apesar de haver na casa de minha avó mais de um aparelho de televisão, o momento de reunir a família ao redor da maior tevê (e a colorida) era sagrado. Não importa o tempo que estivesse lá fora, depois de jantar, era telejornal, novelas e cama! Todo santo dia! Com exceção do sábado, em que podíamos, talvez, até assistir o filme depois da novela, isso se aguentássemos ficar acordados, e o domingo, que não tinha novela, mas tinha Fantástico e Os Trapalhões (bons tempos).
Hoje fazem anos que não assisto televisão aberta. Anos! Passei a assistir trechos soltos de novelas nas visitas à minha tia, nunca entendendo nada a respeito da trama e dos personagens. Não sei o que é um comercial local de tevê. Isso não faz mais parte de minha vida há tempos. Meus filhos, então, nem devem lembrar. E, apesar de ainda sentarmos à mesa para jantar, cada um quase sempre fica de olho vidrado no telefone, ou come rápido para poder voltar logo ao mundo cibernético.
E, de repente, uma só tevê - boa - na sala, já não basta. Mesmo que a usemos apenas para olhar filmes e escutar música, já não é suficiente para trazer felicidade a uma família de três pessoas (e quatro gatos e dois cachorros). Tempos modernos... Como eu já disse outrora, em outras postagens, tecnologias que unem os que estão longe e separam os que estão perto...
Assumo a mea culpa. Também acabei repassando meus vícios e fugas - todos - para a internet. Meus excessos. Sei disso. Não vou negar. E venho trabalhando para tentar diminuir o meu ritmo. Não dormir mais com o celular embaixo do travesseiro, não estar mais totalmente disponível ao primeiro chamado. Já fiz alguns progressos neste sentido - como conseguir ficar sem internet fora de casa, por exemplo, não ter mais aquela urgência em ter que colocar crédito... Mas ainda há muito a ser feito.
Sei que talvez este não seja um problema que ocorra somente na minha casa, sei que talvez seja algo muito maior a nível antropológico. Talvez tenhamos apenas seguido o fluxo doido dessa sociedade tecnológica, mas tenho lamentado muito pela falta de interação e pela falta de tempo que a correria do dia a dia nos impõe. Mas o sentimento de culpa permanece... Por não saber mais se ainda dá tempo de retomar certas rotinas... Por não saber fazer chimarrão numa hora dessas (que também era outra coisa que reunia a família)...
É preciso acordar antes que seja tarde... Tenho certeza de que ainda é muito melhor um abraço, um afago, do que uma mensagem no WhatsApp. Melhor uma roda de amigos num boteco do que aqueles intermináveis diálogos nos grupos de Facebook. Muito melhor assistir um filme com a família num sábado de noite do que postar foto na balada no Instagran. Não deixem isso se perder! Resgatem o contato humano, o colo pros filhos, os abraços amigos... Porque o tempo passa muito rápido e, quando nos dermos conta, uma televisão em cada peça da casa já não será mais suficiente para nos trazer felicidade...

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