quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Sobre ser professora...


Eu nunca quis ser professora. Nunca mesmo. Lembro-me até hoje de quando, na pré escola, a professora, que eu achava uma bruxa, perguntou pra turma o que todos queriam ser quando crescer. Saíram coisas bem legais: astronauta, bailarina, etc. Prova de que as crianças ainda sonhavam, que bom... A minha resposta? Artista de circo! Sério! Eu ficava fascinada em ver aquelas pessoas sem raízes, que iam e vinham livres... E que tinham toda a atenção quando estavam no palco, no picadeiro... Era mágico! E, hoje eu sei, a magia sempre esteve em mim, talvez por isso a minha escolha...
Pois bem, cresci. E cresci mais nas casas dos meus avós do que na minha própria, sorte a minha, já que morava em apartamento sem pátio. Pátio tinha de sobra, pátio com lagartas, borboletas e tatus-bola. E gatos, muitos gatos. De todas as cores! E, dentro deste universo fantástico, depois de muitas caixinhas de insetos colecionadas e de ver muitos e muitos filhotes de gatos nascerem e crescerem, qualquer um que me perguntasse, durante toda a minha adolescência, o que eu queria ser, a resposta era certeira: veterinária. (Lógico que, depois, com a consciência dos valores dos cursos, até bióloga servia, desde que estivesse perto dos bichos.)
Pois bem, o resto da história todo mundo sabe, já mencionei mais de uma vez, terminei o ensino médio grávida, a Ju nasceu surda e, desde então, começou uma peregrinação para proporcionar a ela o que eu considerava o melhor. A oportunidade de voltar a estudar surgiu com as bolsas. Agarrei-me a isso por uma questão de sobrevivência - era o único caminho para me livrar de meu relacionamento violento e abusivo. Sendo assim, iniciei minha caminhada, como bolsista integral, em uma das melhores universidades aqui do RS. Não fosse a bolsa, não teria conseguido, jamais, estudar. E, sim, era um grande potencial desperdiçado. Mas a sensação de não enquadramento atravessou comigo todo o curso. Minhas tatuagens fizeram muitos professores me dizerem que eu "não tinha perfil de pedagoga". A convivência com  muitas colegas de curso fez eu ter certeza disso. 
Os estágios me fizeram questionar ainda mais a minha escolha, pois, de fato, eu não me sentia pronta. Nunca consegui "puxar o saco" de professores para conseguir um lugar dentro da universidade. Sim, mais desperdício de um grande potencial. Comecei a trabalhar no Estado antes de me formar. Mas era como intérprete, então, beleza, nem senti tanto. Ainda assim, presenciando as práticas equivocadas de colegas de profissão diariamente, comecei a questionar o tempo perdido em uma formação que realmente não era o que eu queria... Meus primeiros anos dentro da educação especial foram sofridos. Construí e desconstruí a mim mesma incontáveis vezes. Aceitei as coisas que não podia mudar com muito custo e sofrimento, as que eu podia - e posso - mudar, esperneio até hoje. 
E, pra falar a verdade, ainda estou me constituindo professora, ainda não me considero professora, falta muita coisa a aprender e tenho aprendido todos os dias com as minhas práticas e com meus alunos. Não me sinto ainda à vontade com o título. Ainda que tenha um pedaço de papel lá em casa que diga e prove que sou. Acho até engraçado ver aqueles perfis sociais com nomes tipo "Professora Fulana de tal" ou "Pedagoga Ciclana". Gente, não é o diploma que me concede isso, é o que eu faço no dia a dia, pelo menos é o que eu penso a esse respeito. E vejo tanta coisa nessa minha caminhada que, sinceramente, tem gente que deveria usar o seu diploma para limpar a bunda. Bem isso mesmo. Pessoas frustradas que transformam as vidas dos alunos em verdadeiros infernos. Triste.  
Mas cá estou eu. Professora. Pedagoga. Trabalhando já há quatro longos anos em sala de recursos, buscando o melhor atendimento aos meus queridos alunos que já possuem tantas barreiras na vida, já enfrentarão tantas e tantas coisas. Na verdade, muitas decepções ainda seguem comigo. Mesmo concursada, o que eu achava, na minha mais doce ilusão, que já seria uma grande coisa na minha caminhada, as políticas públicas tem nos despedaçado dia após dia. Salários parcelados, condições precárias para trabalhar, psicológico em frangalhos em virtude de não darmos mais conta de manter o básico. Todos os meses passamos pela incerteza de podermos pagar - ou não - todas as contas. Em geral, tem de se deixar algumas, de fato, porque não há meios de vencer os juros do banco. Os colegas e eu, logicamente, temos sofrido com este descaso. E, não fosse isso o bastante, ainda temos um ambiente insalubre, hostil, onde é quase impossível firmar parcerias e onde o aluno geralmente paga o pato de não termos a valorização social necessária. 
Tudo é um círculo vicioso. Não recebo em dia o salário, me contento em fazer o mínimo, em me manter dentro da média. Neste processo, recuso-me a fazer o necessário para promover uma aprendizagem digna, pois não participo de formações continuadas, não faço as adaptações curriculares essenciais à inclusão e, desta forma, meu aluno vai fingindo que aprende enquanto eu finjo que ensino. A roda é essa. E quem perde são os alunos. Sempre. Isso que nem entro no mérito da greve. Dos movimentos. Porque isso fragmenta ainda mais a classe, desune, provoca desrespeito entre colegas. E notem que não estou me posicionando contra, considero até necessário o movimento de greve. Mas cada um sabe onde aperta o seu sapato e temos a obrigação de respeitar a opinião dos colegas.
Lamento todos os dias o rumo que as coisas tomaram. Mas busco fazer a diferença nas vidas dos meus alunos, isso é o que me prende a essa profissão tão pouco valorizada, tanto pela sociedade quanto por nós mesmos - com as práticas equivocadas dentro das escolas. Meus alunos são a principal razão por eu continuar tentando, por eu insistir. Porque tem escola em que eu realmente não me sinto à vontade, tem escola que sequer frequento a sala dos professores - outrora chamada de serpentário em uma palestra em que eu estava, - tem escola em que eu nem converso com colegas, por não fazer questão mesmo, por saber que não me acrescentaria muito. Vez ou outra eu ainda me pego pensando em mudar de profissão. Sei lá. Às vezes é melhor mesmo lidar com bicho do que com gente. Acho que a maioria das vezes. Mas aí me lembro dos alunos. Sim, ficarei um pouco mais por eles, só por eles... Não é pelo salário, não é pelos "privilégios" que o senhor ministro acha que temos, não é pelos colegas... Quem sabe um dia, não tão distante, poderei olhar para outros horizontes, mas, por hora, eu fico...



3 comentários:

  1. É um desabafo da grande maioria. Que país é esse meu Deus? Cuja a única profissão que é alicerce de todas as demais é tão desrespeitada como estimular nossos alunos à estudarem se aqui nesse país quem ganha dinheiro não termina o ensino fundamental!Depois as cobranças com os resultados insatisfatório do ENEM.Mas, com a insatisfação do profissional professor ninguém se preocupa!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é, menina! E nós, do AEE, precisamos estar com documentação em dia, para famílias, para direção, para coordenadoria... Mas não sabemos se teremos como fazer o rancho do mês... O psicológico em frangalhos, mas as cobranças aumentam cada vez mais, de todos os lados... Ando bem cansada de tudo isso...

      Excluir
  2. É um desabafo da grande maioria. Que país é esse meu Deus? Cuja a única profissão que é alicerce de todas as demais é tão desrespeitada como estimular nossos alunos à estudarem se aqui nesse país quem ganha dinheiro não termina o ensino fundamental!Depois as cobranças com os resultados insatisfatório do ENEM.Mas, com a insatisfação do profissional professor ninguém se preocupa!

    ResponderExcluir