terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Ciclos que se findam



Hoje estou num misto de euforia e tristeza... Virando algumas páginas da minha vida em definitivo... A formatura da minha filha com certeza é um marco de uma delas. Há alguns dias que tenho lembrado, com certa nostalgia, de toda caminhada até aqui... Já falei outrora do quanto batalhei para mantê-la no lugar que considerava o certo para ela. Não me arrependo nem um pouco disto.
Imaginem que uma criança poderia viver isolada, poderia viver sem ter uma linguagem, sem ter comunicação com as pessoas mais próximas a ela... Imaginem esta mesma criança se relacionando num futuro, não muito distante, porque o tempo passa muito rápido. 
Quando a Júlia tinha dois anos fiz meu primeiro curso de Libras. Quando ela completou três anos e meio, procurei a primeira escola, mas essa mesma escola não oferecia o ensino que eu acreditava ser o ideal, por isso ela não continuou lá... Foi então que, quando ela tinha quatro anos e meio, aceitamos o desafio de irmos para longe de casa, enfrentamos o desconhecido porque eu acreditava que a educação especial era o lugar dela... e, infelizmente, não temos escolas especiais em qualquer esquina.
A partir daí, essa história começou a modificar-se... A criança que poderia ter passado anos de sua vida sem linguagem e sem comunicação, passou a ter uma, passou a informar e ser informada das coisas mínimas do dia a dia e isso fez toda a diferença na vida dela. Percebi, então, no quanto eram importantes as pequenas coisas e que ela, assim como o Luan, seu irmão, também seria criada para o mundo... E não poderia ser diferente!
Poderia discorrer aqui as chuvas, os temporais que pegamos em nossos caminhos, mas prefiro discorrer sobre as flores, os frutos que colhemos... Conheci inúmeras pessoas, que concordaram comigo ou que me fizeram repensar e/ou ter certeza de algumas coisas... Algumas pessoas que fazem parte da minha vida até hoje, outras que me ensinaram coisas importantes e foram embora... 
Mais do que nunca, tenho certeza plena e absoluta de que fiz o que era certo. Foi a educação especial que colocou a minha filha no mundo depois de mim.
E, para aquelas pessoas que acreditam que a inclusão é melhor porque os surdos precisam se adequar ao mundo ouvinte, tenho uma pequena mensagem para vocês: "Não, não se preocupem, não mandarei vocês à merda, como vocês bem mereceriam, mas o que eu tenho a dizer é que a inclusão minoriza o surdo, faz com que ele se sinta inadequado, deslocado, imperfeito... Minha filha se aceita como é, linda e perfeita, se vê completa porque teve professores que mostraram isso a ela no dia a dia, porque pode conviver plenamente com seus pares e isso é maravilhoso! Fui eu quem me adequei a ela e não ela a mim, como tudo deveria ser... E mais: eu tento fazer com que meus alunos surdos se sintam assim como ela, completos! Pena que vocês não consigam ver a grandeza que há neste outro mundo, nem pior nem melhor do que o nosso, apenas DIFERENTE!"
Findando este ciclo de minha vida, de nossas vidas, me sinto orgulhosa e envaidecida do que me tornei. Poderia dizer a todas as famílias, como de fato faço quando tenho a oportunidade, que a Libras foi o melhor caminho, embora não tenha sido o mais fácil. O medo do desconhecido muitas vezes tentou me paralisar, muitas vezes me fez pensar em abandonar tudo. Mas encontrei forças nos meus filhos, como sempre o faço, e criei uma pequena comunidade bilíngue dentro da minha própria casa.
E agora vamos embora para as outras lutas que se seguirão a partir de agora, ensino médio, faculdade, especializações... E estarei aqui, batalhando para que seja de qualidade e, principalmente, para que respeitem as particularidades dela, em qualquer lugar, porque ela é capaz e muito, mas muito especial! Como cada um de nós!


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Todos temos histórias para contar!


Ontem voltei a um lugar que há muito tempo não ia... Anos se passaram desde a última vez que pisara ali e voltar, depois de tanto tempo, fez com que eu remexesse em coisas que estavam guardadas em algum lugar aqui dentro.
Tem lugares que deixam o passado em suspenso... Lugares em que você ainda pode se ver fazendo as velhas coisas, revivendo as mesmas cenas...
Quando este passado é de lutas e sofrimento, a velha dor volta. Inevitável! Passei por longos anos ali. Um lugar que me era completamente estranho, mas que, com o passar do tempo, fui tomando posse das ruas, dos lugares e foi se tornando familiar.
Reconhecer os antigos lugares hoje me é doído, pois o contexto de outrora não era dos mais leves, não era simples... Relembro um passado de batalhas, em que ficava horas e horas do meu dia longe de casa com meus filhos pequenos, mas era necessário...
Descobri que Esteio poderia ser uma cidade tão boa quanto São Leopoldo, sonhei em mudar para lá durante muito tempo, pois passou a ser tão parte da minha vida, das nossas vidas, quanto a cidade em que nascemos.
Reviver, repensar, redescobrir, voltar sob um novo contexto me é extremamente prazeroso. Olhar para o velho com um novo jeito de olhar e isso é extremamente importante. Reconhecer o quanto cada história, cada época, cada momento, nos oferece algo de bom, por mais difícil que possa parecer no período em que o estamos vivenciando...
Histórias, todos temos, elas fazem parte do que somos, nos constituem enquanto pessoas, seres humanos... Vamos nos traduzindo, transmutando através de nossas vivências... Quando um passado é de superação, como este, vale a pena ser revisto... 
Quando fui embora, lamentei pelas amizades das quais me distanciaria, sabia que seria difícil manter as tais amizades com a distância em quilômetros, mas, ainda assim, a vida me oferecera oportunidades de ver aquelas vivências com certa nostalgia. 
Hoje posso falar com muito orgulho que fui e sou uma mãe que lutou e ainda luta por ideais. Mas hoje, além de mãe, também sou profissional. E é este novo contexto que apresento. Porque, infelizmente, ou felizmente, há saberes que são mais reconhecidos no meio acadêmico. Minha experiência de 14 anos como mãe de criança surda nada vale frente ao meu diploma, de uma faculdade cursada em cinco anos. Mas, se é isso que exigem, é isso que agora ofereço!
Alguns olham o lugar em que estou hoje e dizem que tive sorte... Mas, olhando para trás, para os anos em que fiquei sentada num banco, esperando por minha filha, enxergo as muitas lutas e medos enfrentados com dignidade. Não tive sorte, ou até tive, mas lutei muito e carreguei muita pedra para chegar até aqui... E, olhem bem, não estou nem na metade do caminho. Ainda tenho muita história por escrever! E para contar, então... Com muito carinho, com muito orgulho! Pois tem coisas que não devem ser esquecidas.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Livros


Sebos me encantam... Realmente não tenho como passar na frente de um sem parar e entrar, visualizar aquelas estantes abarrotadas de livros e sentir os cheiros de livros velhos... A paz da biblioteca num final de tarde... A paz do domingo de sol preguiçoso... Gosto de sentir os livros, todas as suas histórias, todo o conhecimento do mundo à nossa disposição que, nem que conseguíssemos a façanha incrível de vivermos cem anos, conseguiríamos dar conta de absorver tudo...
Comprar livros em sebos me é um prazer porque sempre fico a imaginar por onde eles andaram antes de irem parar na minha estante, na minha mochila... Há livros que vem com nomes, com assinaturas, com anos... Os últimos que comprei já circulavam por aí antes mesmo de eu nascer... Veja bem quanta magia há nisto! Antes de eu nascer alguém lera o que estou lendo agora... Apago os nomes para cuidadosamente colocar o meu próprio nome nos respectivos lugares e, olhando para as páginas já amareladas penso no legado que deixo aos meus filhos a cada quantia gasta - não, investida - em livros. E quanta, mas quanta história eles carregam... Terão estado em outros países? Será que o antigo dono sentou-se em alguma praça de Paris para lê-lo? Ou no trem de ida para Macchu Picchu... Ou ainda diante dos moinhos da Holanda... Por quantos lugares terão passado estes livros antes de chegarem a mim?
Também se faz necessário dizer que sinto uma pontinha de pesar quando apago estes antigos nomes... Não por seus velhos donos, mas por não podermos fazer isso com certas pessoas também. Porque seria tão simples apagarmos toda uma história com uma simples borracha, seria tão reconfortante guardarmos apenas as lembranças que valem a pena... E, afinal de contas, quais realmente valem e como saber as que não valem? Costumo dizer que o passado nos constitui como pessoa, que nossas histórias são parte do que hoje somos... Mas como certas coisas são doídas de se lembrar... Mesmo sendo parte da gente, tem fantasmas que não nos abandonam nunca mais... E aquela velha cena permanece lá: intocada pelo tempo. Você sente determinados cheiros, escuta determinadas músicas e, num passe de mágica, está lá revivendo, de novo e de novo... Os livros também fazem isto com a gente... E ultimamente tenho sentido vontade de reler o já lido, de rever o já visto, só para ver como estas coisas irão me atravessar agora... Certamente não será da mesma forma que me atravessaram outrora... Sou assim, de tempos em tempos tenho essa necessidade louca de me reinventar... Uma boa leitura pode fazer isso com a gente, mesmo que já seja a segunda, terceira vez que lemos algo, certamente nos transformará de uma forma diferente das outras... porque não somos os mesmos de ontem. E certamente não seremos amanhã os mesmos de hoje. A vida nos transmuta, nos transforma. Então, preste atenção no que vou falar agora: não sou a mesma por quem você em algum momento se encantou, se apaixonou. E é certo que o que trouxe essa paixão, este encantamento, já nem existe mais, nem lá fora e tampouco aqui dentro. Culpa dos livros. E, quer saber? Vou continuar me transformando. E você nem me conhece mais! A graça é exatamente esta: ter de me (re)conquistar todos os dias... Comece lendo livros, assim você se transforma também...


sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Inclusão dentro da minha angústia



Eu sou mãe de uma menina surda, hoje ela está com 14 anos, mas minha caminhada e minhas lutas acerca da causa começaram há muito tempo. Fiz minha formação pensando em aprender maneiras de lidar com ela e potencializar o seu aprendizado, hoje sou pedagoga em educação especial e intérprete. Atuo também como professora de AEE de surdos. Minha filha sempre esteve dentro do ensino especial, o que, durante muito tempo, precisou do meu sacrifício para que pudesse se concretizar: levava-a até a escola e ficava a tarde toda esperando por ela, uma vez que era impossível voltar para casa. Assim sendo, o irmão dela também acabou tendo de se moldar a esta realidade, começando seus anos de escolarização em Esteio, ao lado da escola em que a Júlia estudava. Optei pela educação especial porque entendia o quanto era importante para ela estar dentre seus semelhantes, ter professores surdos que certamente serviriam de exemplo para ela, ao longo de sua vida. Ao longo da faculdade, tive como estudar a inclusão, me aprofundar neste assunto, embora jamais tenha pensado que seria uma opção para a minha filha. Muita coisa aconteceu desde então, trabalhei anos com educação ambiental e fora da minha área, até surgir um contrato para ser intérprete pelo Estado, que foi a oportunidade que tive de trabalhar com o que sempre gostei: educação de surdos.
Estou trabalhando há um ano e meio nesta área e devo dizer que hoje vejo que caminhamos lentamente rumo a um processo realmente democrático e inclusivo. Paciência histórica, precisamos de paciência histórica, me disse minha prima que também é professora. Paciência histórica para sabermos esperar o tempo necessário para que as mudanças se estabeleçam. Eu busquei ter esta paciência, mas não me abstive de lutar pelas coisas que considero certas. Difícil esperar quando as mudanças urgem também. Trabalhei durante o ano passado com um aluno que, além de surdo, tinha algumas outras deficiências, inclusive motora, um aluno que, a meu ver, simplesmente fora jogado ali. Os professores, em sua maior parte, sequer tomavam consciência da presença do aluno ali. Planejamento especializado? Lenda! Ali começou uma discussão sobre a função da intérprete dentro da sala de aula e muitas e muitas atrocidades ocorreram até a mãe deste aluno resolver retirá-lo da escola este ano. Lamentável.
Eu penso que ainda estamos nadando contra a corrente quando nos referimos à inclusão de surdos. Ainda temos muito que aprender. Vejo pessoas especialistas falando equivocadamente da educação de surdos, até porque não fazem a distinção de surdos e deficientes auditivos, o que o próprio Capovilla (2010, pág 08) diz ser uma aberração. Para mim, é óbvio que o deficiente auditivo pode se adequar à escola inclusiva sem requerer muitas adaptações ou mudanças. Mas e o surdo? O sujeito que só usa e se comunica através da Libras, onde fica nesta história? Ele dependerá única e exclusivamente da boa vontade e, principalmente, do conhecimento de suas intérpretes. E, minha gente, depender de conhecimento é uma coisa muito séria quando falamos de educação, porque a maior parte dos professores e educadores que conheço se contenta com o ensino institucionalizado e com os diplomas, ninguém se informa, ninguém segue lendo a respeito de nada. Se não tiver certificação, não há formação. E seguem as práticas arbitrárias, a falta de sensibilidade e ética e a inclusão de surdos sendo operada como se fosse qualquer outra.
Sinto-me de mãos atadas, sinto que as mudanças pelas quais lutei ao longo deste ano, seguirão utópicas, pois o discurso que impera é o da facilitação do trabalho. Intérprete só quer a neutralidade porque a neutralidade não requer trabalho e nem estudo. Vou, interpreto a aula e vou embora, tendo cumprido o meu horário. O surdo que se vire no restante do tempo. Neutralidade não existe na educação, insisto em dizer. E, como Freire mesmo fala, por trás da neutralidade também há uma intencionalidade. A partir de outras desistências que ocorreram neste ano, sinto o peso do fracasso em minhas costas. Não há como não sentir! Muita coisa tem de ser debatida e confrontada. Urge que a função do intérprete nas escolas seja homologada e que sejam pensados em deveres destes profissionais através de pesquisas e de muita contestação, urge que o surdo seja ouvido, que ele mesmo fale sobre como quer que ocorra seu processo educativo, urge que a escola inclusiva coloque a Libras em seu currículo – não somente no Magistério – para que a inclusão passe a tornar-se uma realidade.
Aprendi que incluir não é apenas “colocar para dentro”, que incluir requer mudanças significativas, afinal, inclusão/exclusão são duas das faces de uma mesma moeda. Não podemos jamais nos esquecer disto. A partir do momento que eu olho para meu aluno surdo – e estou falando de surdo mesmo, não deficiente auditivo – e digo que ele que tem que se adaptar ao mundo majoritariamente ouvinte, estou esquecendo de que este sujeito é histórico e cultural, de que este sujeito constituiu uma identidade diferente da minha e que, portanto, deverá ser atendido e respeitado nas suas especificidades. Mas, tudo isso, todo este discurso, faz parte dos jogos de poder que permeiam as instituições, enfim, há uma intenção bem clara nele, ela traz vantagens a quem o promove e uma destas vantagens é não ter de “desarrumar” a casa para receber a diferença. Visão integracionista da inclusão, de que é o sujeito que se adapta ao meio. Esta visão nem existe mais, uma vez que a própria Declaração de Salamanca já diz que o surdo, devido à sua particularidade lingüística, seria melhor atendido nas escolas e classes especiais que visam a educação bilíngüe.
E a gente vai cansando deste tipo de gente e deste tipo de discurso. Não estou dizendo que não acredito na inclusão. Longe disso. Mas considero que mudanças devem ser feitas, as pessoas devem parar de entender a surdez como um déficit, uma deficiência, uma falta... O surdo é um sujeito que está dentro de uma cultura diferente da nossa. Da mesma forma que os índios, os judeus e os muçulmanos. Portanto, a inclusão deve ser pensada a partir disso: como acolher esta diferença em minha sala de aula?  Chega de pensarmos em meios de reabilitação, o surdo não precisa ser reabilitado, ele precisa ser entendido! Então, que a luta pelo respeito à língua siga adiante, que o ensino bilíngüe preveja um futuro para estas crianças e adolescentes e que a cultura surda permaneça!




sábado, 20 de outubro de 2012

Descaso humanitário


Estava há cerca de dois meses para escrever sobre este assunto, mas, hoje, tendo acontecido novamente, percebi que não dormiria bem se não escrevesse antes de deitar... A questão é que quando ando de trem posso sentir o quanto as pessoas andam duras... Não podem perceber as pequenas magias que as cercam... A questão que trago hoje muito provavelmente já permeou muitas realidades, pelo menos daqueles que já andaram de trem alguma vez na vida...
Eu vou a Porto Alegre uma vez por semana por conta de uma pós graduação que faço por lá, então é certo que neste dia estarei no metrô, isso sem contar as outras vezes que vou a passeio em finais de semana, é um meio seguro, prático e ágil de ir para lá, algumas pessoas inclusive deixam seus carros em estacionamentos para evitarem o trânsito caótico da cidade. Enfim, quem utiliza o trem para seu deslocamento sabe que muitas e muitas vezes encontrará aqueles famosos personagens que estão sempre por ali: pedintes, vendedores e afins. Então, a prática de todos em geral é sempre a mesma: eles te dão um papelzinho com um breve histórico que explica o por que de estarem ali... Quando são surdos, dizem que são surdos e normalmente o que vendem vem junto com o alfabeto em Libras, que certamente irá parar em alguma lixeira por aí...
Então, o que venho relatar hoje, são duas experiências que tive com alguns destes personagens típicos, uma há uns dois meses e outra nesta última semana... 
Eu estava voltando, depois da aula, umas dez e pouco da noite, quando entrou no vagão em que eu estava um menino - que depois percebi estar acompanhado por outro menino mais jovem ainda que ele - carregando uma sacola visivelmente pesada demais para ele... Ele se ajeitou em um canto e tirou da sacola uma caixa de balas de goma, dentre outras que ainda ficaram na sacola. Ele passou de pessoa em pessoa oferecendo as balas, vi que alguns próximos a mim compraram algumas... Eu comecei a fuçar a minha carteira para ver se tinham ainda algumas moedas, porque geralmente fico sem dinheiro na maior parte do mês, mas felizmente eu tinha cerca de dois reais ainda... Entreguei as moedas, tudo o que eu tinha, nas mãos dele e disse que não queria bala, que era só para ajudar... Observei que ele e o outro menino pequeno sentaram-se num banco e se puseram a contar pacientemente as moedas que tinham, quando, em uma estação qualquer, entra um homem com uma bolsa, trazendo alguns folhetos xerocados com ele. Ele passa a distribuir os folhetos de pessoa em pessoa também, sendo ignorado por muitos. Era um texto com duas fotos, de uma criança acamada, em estado bem grave, dizendo que necessitava de uma cirurgia urgente, que não tinha disponível pelo nosso sistema de saúde. Li o texto e lamentei ter entregue todo o meu dinheiro ao menino, pois não tinha nada com que pudesse ajudar aquele homem abatido. Mas eis que percebo neste momento que os meninos que estavam logo a minha frente pedem para ler o papel que o homem tentara distribuir aos demais e o maior se coloca a ler em voz alta o conteúdo do folheto para o menino menorzinho. Vi algo que meus olhos custaram a crer: o menino pegou todas as moedas que tinham e entregou para aquele homem. Um gesto que muitos ali dentro sequer se importaram em não poder fazer. Ao observar aquilo, tive a certeza de que ajudei aos três, mesmo que indiretamente e pensei que a Grande Mãe muitas vezes opera de uma forma que custamos a entender. Os dois meninos, que, naquela hora da noite deveriam estar na segurança de seus lares, dormindo em flanelas macias, fizeram algo que a humanidade já não é mais capaz de fazer: olhar o seu próximo com compaixão. Eu me emocionei com aquilo e me toquei... Quando todos ali permaneciam inertes em seus mundos próprios, eu visualizei um milagre e chorei... Sabia que nunca mais seria a mesma depois daquele dia...
Nesta última semana, também na volta da aula, tarde da noite, observei que entrou no vagão do trem em que eu estava um menino, adolescente já, com 15 anos, como pude constatar ao ler o papel que entregou em minhas mãos. O papel, um pequeno xerox, com um texto de um português extremamente correto, falava que ele, o Matheus, estava ali pedindo dinheiro para ajudar seus pais que estavam desempregados. Eu só tinha cinco reais no bolso e queria voltar para casa de ônibus, pois estava cansada demais para caminhar. Então, quando o menino se aproximou de mim para pegar seu papel, com a possível doação de volta, eu propus a ele que trocasse o meu dinheiro, desta forma, lhe daria 2 reais e ele me daria o troco de 3. Puxei conversa com ele e ele ficou ali por perto numa conversa inicialmente tímida, mas que se aprofundou, pois ele permanecera a viagem toda perto de mim me contando um pouco de sua história. Disse que parou de estudar porque incomodava demais e quando a escola chamava sua mãe, ela não podia ir até lá por conta dos cuidados que dispensava ao filho com deficiência. Numa família de 8 irmãos, sendo que 4 estão casados e vivendo fora de casa, Matheus é o segundo mais velho, assumindo as responsabilidades de trazer o sustento aos seus demais familiares porque a mãe cuida do irmão que tem deficiência intelectual e o pai perdera o emprego que tinha de segurança de uma obra porque a obra fora fechada. Explicou que em muitos dias nem chega a voltar para casa, pois mora muito longe do centro da cidade e em muitos dias não consegue dinheiro suficiente para ir para casa de ônibus. Tive a oportunidade de falar para ele algumas coisas que considerei importantes já que não tínhamos muito tempo, que era muito importante que ele voltasse a estudar, nem que fosse para dar o exemplo aos seus irmãos menores, disse que ele precisava preservar sua segurança, enfim, quando descemos na estação, dei um abraço apertado nele, ciente de que plantei uma semente ali, mesmo que pequena...
Trouxe este relato porque sinto quando não posso ajudar estas pessoas... realmente sinto. Alguns dizem: "mas e se gastar com drogas?",  "e se levar para casa e o pai for alcoólatra?" e eu vou dizer uma coisa a vocês: acredito muito em fazer a minha parte, em fazer o bem sem olhar muito a quem. Se a pessoa que ajudei fizer um uso errado da ajuda que dei, pois bem, quem estará adquirindo uma dívida com o Universo será ele, não eu. Há um descaso imperando por toda parte, um discurso pronto, articulado de forma que as pessoas sintam-se menos responsáveis umas pelas outras... Mas queria que estes discursos não endurecessem a humanidade como tem endurecido nos últimos tempos... Queria que as pessoas dessem um outro olhar, se colocassem um pouco no lugar do outro. Sou assim mesmo, idealista... Acredito que mudamos o mundo começando por nós mesmos. Muitas vezes não tenho um real para dar, mas sempre, sempre, terei uma palavra amiga para compartilhar, um sorriso, um desejo de "boa sorte"... Estender a mão nem sempre significa ajudar financeiramente, muitas vezes pode estar em um olhar, em uma palavra... Então, pessoas, o que tenho a dizer é que espero que a humanidade volte a ser humanizada e humanizadora... Que estejamos sempre atentos a estes pequenos sinais mágicos que a vida nos dá, pois a grandeza muitas vezes está mais perto de nós do que possamos imaginar... Que este descaso humanitário não seja mais parte de nossas rotinas... Que nossos sorrisos salvem essas pessoas da indiferença que as assola!


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A escola que trabalhamos X a escola que queremos


Hoje meu dia foi muito triste... Dia Nacional do Surdo, amanheço ao lado da minha filha e a primeira coisa que ela faz é me desejar: "Feliz dia do surdo!". Vale dizer que aqui em casa sempre foi assim, o dia do surdo sempre foi comemorado, ela ganha presente, como mães ganham no dia das mães, crianças no dia das crianças... Sempre achei legal mostrar para ela que era algo para se ter orgulho... Respondi com alegria e disse para ela que tivesse um dia feliz também. Acho que já falei aqui umas mil vezes que a caminhada profissional que tive foi por ela. A militância que tenho na causa surda já existe há algum tempo, mesmo que tímida, mesmo que quase insignificante...
É exatamente por isso que ando sem vontade de ir trabalhar, é exatamente por isso que hoje compreendo que essa luta muitas vezes será - e é, de fato - solitária. As pessoas, os profissionais com quem trabalho, jamais conseguirão encontrar o lado humano nessa minha militância. Nunca!
Então eu fui trabalhar, mesmo sem vontade, cumprir hora, burocracia, essas coisas. Gosto do que eu faço, sou formadora, nasci para formar opiniões, para incentivar a criticidade, me vejo como educadora social, este é o meu perfil,  por todo o senso crítico que já construí ao longo de minha trajetória, mas confesso que ultimamente trabalhar me tem sido pesaroso, não por conta dos alunos, mas por conta dos colegas, sim, isso mesmo, dos colegas e das coisas que tenho visto dentro da escola. Tivemos uma palestra sobre inclusão, só para as turmas do Magistério, um discurso meio falido, de normalização dos sujeitos com deficiência, mas, enfim, vindo de uma pessoa que trabalha com atendimento clínico não poderia esperar outra coisa - hoje entendo que é importante analisar o lugar de onde as pessoas falam, antes de simplesmente criticar. Mas, enfim, interpretei toda a palestra para minha aluna e deixei claro para ela que a inclusão dos surdos jamais se dará por este viés.
Eis que, cansada com as duas horas e pouco de interpretação e já meio que vencida pelo discurso de norma e governamento dos sujeitos presente em todas estas falas sobre inclusão que tenho visto, surge uma atividade alusiva ao dia do surdo no intervalo, que reuniu uns poucos alunos ao redor da outra intérprete que atua na escola e que simplesmente se propôs a ensinar o alfabeto em Libras no pátio, distribuindo folders com o alfabeto, sem sequer contextualizar essa atividade com todo o movimento que tem acontecido no Brasil inteiro, em prol da escola bilíngue e à importância da língua de sinais aos sujeitos surdos. Se eu participei? Não. Não por orgulho, mas por ideais. Não gosto de coisas soltas, fragmentadas, o que adianta fazer uma atividade destas e manter a escola à parte no restante do tempo de todas as questões que envolvem estes sujeitos? Esta atividade, dentro de uma escola que se narra inclusiva, deveria ter sido pensada por todas as intérpretes que nela atuam, por uma questão de respeito e consideração para com os alunos surdos. E na parte da manhã, foi feito algo parecido? E o aluno que estuda de manhã não merecia tamanha consideração? Ando cansada de coisas vazias, de fazer por fazer... Colocar surdos a sinalizarem o hino sem sequer saberem o que estão sinalizando, sem ter trabalhado isso antes com eles, pelo simples fato de que isso, sim, aparece, isso, sim, emociona aos leigos que desconhecem a cultura surda. E volta a visão assistencialista da surdez, volta a "pena", a socialização como ponto de partida para a inclusão... 
Bom, à noite, tive reunião na escola do meu filho, reunião com pais para pontuar algumas questões e tive que sair de lá, vir embora, porque me vi sufocada, impossibilitada de falar o que estava sentindo. Mas lá vi o mesmo discurso, a mesma fala que tenho visto o tempo inteiro: participação da família, culpabilidade, a escola sempre tirando a responsabilidade de suas costas, sempre se omitindo e posicionando-se na defensiva... Em vários momentos tive vontade de dizer: mas e vocês não falam mal uns dos outros, vocês não falam mal dos pobres alunos nos Conselhos de Classe, vocês não usam mais aqueles diários de classe amarelados para darem suas aulas? Sempre falo em mediocridade, mas hoje concluí que a escola em que trabalho e as outras estão muito abaixo da linha da mediocridade... muito abaixo de uma média. A proibição de uso de mídias dentro da escola só mostra o quanto os educadores estão despreparados para lidarem com os alunos de hoje. Crianças que já nascem usando o computador e outras tecnologias se veem presas aos cadernos e canetas por quatro horas do seu dia. A escola se fragmenta, se desloca e mantém-se desconectada do mundo no qual nossos alunos estão inseridos. E querem disciplina, querem alunos quietos, acríticos, que façam atividades sem reclamar, sem questionar... ao mesmo tempo em que reclamam da apatia... pode uma coisa destas? E, a cada dia que passa a escola em que trabalhamos está muito mais longe de ser a escola que queremos... por estes e outros muito motivos. Nos contentamos com alunos apáticos, desde que saibam ler e façam as atividades, desde que nos deixem fazer o nosso trabalho, sem incomodar. E é isso que teremos, isso que iremos colher num futuro não muito distante. Serão estes os nossos frutos! A vocês, professores que batem no peito dizendo que a nossa profissão é a base de todas as outras, tenham em mente que os políticos corruptos também tiveram professores, que o médico que atende mal seus pacientes também teve professores e que aquele cidadão que não se levantar do assento especial para que você possa sentar-se quando estiver idoso, também tivera professores. Afinal, se somos a base de outras profissões, não poderemos reclamar da mediocridade presente no resto do mundo, quando nos contentamos com ela! E o dia do surdo? Bom, ele significa muito mais do que aparenta, muito mais há nele do que a Libras... Busquem informações, antes de acharem que a festividade se limita aos muros da escola!



segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O que faz de vc uma bruxa?

Ontem fiquei pensando sobre algumas questões... Meu processo de iniciação começou há muito tempo quando eu conheci a minha então Mestra e fui conhecendo e me apaixonando pelas práticas pagãs... Nada foi instituído, tudo foi acontecendo naturalmente e aprendi com ela que a magia está dentro de cada uma de nós, pelo simples fato de sermos mulheres e concebermos a vida... Mas nem todas tomam consciência disto, infelizmente...
Minha relação com a natureza sempre foi muito estreita, desde que eu era muito pequena, sempre amei os animais, sempre me preocupei com a manutenção e preservação e isso com certeza fez com que me reconhecesse na maior parte das práticas pagãs... A magia entrou na minha vida como se sempre tivesse feito parte dela...
Li "As Brumas de Avalon" com 16 anos, pela primeira vez, e me apaixonei definitivamente pelas personagens que, assim como eu, também tinham a Deusa em seu sangue... Deusa Mãe, Deusa Lua, Gaia, Mãe Terra, Deus galhudo, Deus Sol, tudo parte do Uno, tudo um só e todos em nós e por nós...
Respeito ao próximo e ao livre arbítrio, à liberdade como um todo, às diferenças, aos diferentes seres que são criações do divino, assim como nós somos, ensinei estes valores aos meus filhos, independentemente de crença religiosa...
Independente dos Sabaths e Esbaths que nem sempre tenho disponibilidade para realizar, me considero parte do Cosmos e, como tal, jamais interfiro nas coisas naturais... Tem gente que pensa que bruxa tem muitos amantes e não tem dificuldades no amor por conta de seus feitiços, mas estão redondamente enganados. A magia jamais interfere na ordem natural das coisas, somos atraentes exatamente pelo fato de não termos medo de mostrar a nossa essência, não usamos de subterfúgios para seduzir e muitas vezes seduzimos exatamente por não termos esta intencionalidade.
A única coisa que se refere a nós bruxas, que as pessoas deveriam entender, é que conhecemos a ordem enrgética do Universo tão, mas tão intimamente, que simplesmente nos protegemos do mal que podem nos causar com o pensamento. Sim, porque pensamento também é energia e, se for negativo, pior ainda... Mesmo sabendo que faz mais mal a quem tem, mesmo sabendo que não nos afeta, estamos fechadas a isso. E também por conhecermos o Universo energético em que vivemos é que procuramos fazer o bem, a quem quer que seja, sem pré julgar, sem pestanejar, pois sabemos que aquilo que damos volta em triplo para nós, é a Lei do Retrono Triplo que rege nossas práticas. Conhecemos isso tão bem que não precisamos de dogmas sistematizados para nos orientar. Entendemos que somos unos com o mundo, que a mesma Mãe que nos gerou também gerou todas as coisas vivas que nos cercam e, enquanto parte deste ciclo sem fim, não podemos agir de forma a desequilibrar isso.
Então, não é o fato de usar um pentagrama que faz de mim uma bruxa, não é me proteger com pedras, ser uma bruxa requer que você se reconheça como tal, requer que vc enxergue a Deusa que há em você e em todas as coisas criadas... Poderia passar dias descrevendo o quanto a minha avó também o era, e minha bisavó e minha tia... De modos diferentes, em tempos diferentes, mas com práticas benevolentes muito maiores do que as que qualquer religião prega. Poderia ficar discorrendo aqui no quanto esta história me atravessa e me constitui enquanto pessoa, enquanto bruxa que sou e que assumo que sou, sem vergonha - e por que deveria ter? Mas não, prefiro apenas esclarecer que amuletos e tatuagens não fazem bruxos, são as práticas e vivências, estudos e experiências que farão você retomar a magia que habita você, mesmo que você não saiba...

sábado, 15 de setembro de 2012

Despedida de quem se ama

Falar numa despedida é muito difícil, mas, quando nos despedimos de um amigo, fica quase impossível descrever em palavras o que e como sentimos... Estes dias falei sobre a finitude das coisas em um outro local, no quanto estarmos preparados para as perdas nos faz mais fortes, mas há perdas que preparo nenhum consegue diminuir a dor...
Hoje pela manhã senti falta de um dos meus felinos, antes de sair para trabalhar... Procurei-o por toda parte, em vão. A única coisa que permanecera aberta durante a noite foi a janela, então, bateu um desespero quando me deparei com a possibilidade de ele ter caído e ter sido pego pelo cachorro, ou ter sido levado embora como outros já foram. Saí na rua para buscá-lo, em vão. E, assim, sufocando a dor que isso me causou, saí para trabalhar, guardando ela lá no fundo, pois ainda me restava uma esperança de que ele aparecesse durante minha ausência. Cheguei em casa e nada... e a dor se intensificou, abriu caminho aqui dentro e irrompeu...
Sei que parece bobagem, aos olhos de algumas pessoas realmente pode ser... Mas, para mim, que, em primeiro lugar, tenho uma relação de amor com a natureza como um todo e que, em segundo lugar e não menos importante, considero os meus bichos parte da minha pequena família, isso me afeta como se eu realmente estivesse perdendo alguém muito próximo, que deixará espaços vazios difíceis de serem preenchidos. 
Reconheço em cada um deles suas personalidades, cada um deles tem um jeito próprio de se relacionar com as pessoas e com o ambiente em que vive... Rudolf era arisco... Procurava colo poucas vezes, mas sempre estava ao meu redor, onde quer que eu estivesse. Se estava no computador, ele se deitava sobre a tela, se ia tomar banho, ele deitava sob o tapete do banheiro e algumas vezes se arriscava a adentrar o box para tomar água, se eu ia estender roupas na área, era o momento que ele aproveitava para usar o seu "banheiro". Ficava sozinho e miava pela casa, como que dizendo que a solidão não o acalentava... Precisava e gostava de companhia, mesmo que fosse apenas de longe... No dia a dia, era o parceiro do Kowalski para tudo, tinham noites que os dois passavam a madrugada inteira correndo pela casa, brincando...
Agora ficam os espaços vazios, como outrora já disse que ficam quando alguém que amamos vai embora, os espaços vazios e as lembranças... Difícil descrever a dor que isso causa, é inominável. Terei 10.000 gatos e cada um me fará sofrer igual, cada um deixando um espaço vazio diferente do outro, mas sempre deixando... Escrevo essas palavras com lágrimas nos olhos e sei que elas permanecerão por dias, longos dias, enquanto eu olhar para os lugares que ele gostava, enquanto as lembranças ainda estiverem tão vivas que quase poderei tocá-las... Tenho o Kowalski e tenho o Sr. Frodo, mas em nada a falta do Rudolf será compensada, pois cada um é um, suas subjetividades são muito diferentes e o modo de se relacionarem comigo também. 
Outro dia eu disse que ninguém é insubstituível... Hoje revejo minhas palavras e vejo o quanto alguns seres o são em nossas vidas... Em outubro do ano passado perdi meu Mustapha e fugi de casa, literalmente, pois não sabia como seria voltar e ter de lidar com os espaços vazios que ele deixara... Hoje eu tive de voltar, voltar e ver a tela do computador vazia, o ar triste e o Kowalski desolado... O Luan, meu filho, na rua procurando, mesmo que a esperança se desfaça um pouco mais a cada investida... Vou ter de lidar com isso. Porque é assim que os adultos devem lidar com a dor: enfrentando, não fugindo. Embora toda uma parte de mim queira esvair-se e entrar numa concha, virar uma ostra... Quero ir embora, quero novas lembranças, quero consolo pro que eu estou sentindo... mas sei que não há... Então me resta sentir, chorar e esperar que a dor vá virando uma saudade e que a saudade vire nostalgia e que um dia eu possa olhar para as lembranças sem lágrimas nos olhos...
Que a Grande Mãe te carregue em seus braços, meu amor, e saibas que, onde quer que você esteja, você foi muito amado por esta família! Luz e paz...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Práticas dos TILS dentro da escola

 
Estive pensando por estes dias sobre algumas práticas envolvidas nos afazeres diários dos quais eu faço parte... Sou intérprete de Libras. Não porque tenha formação específica ou porque tenha passado no ProLibras, mas porque minhas vivências com a surdez me deram esta formação... Diplomada sou mesmo em Pedagogia em Educação Especial, o que faz de mim também uma professora. Trabalho numa escola do Estado, sendo assim, conheço toda a problemática do ensino público do qual faço parte. Salários baixos, falta de recursos, escola sucateada... Pois bem... Já falei nisso em outros momentos...
Mas, por outro lado, não posso me abster de falar que a coisa não é assim tão grave quanto a maioria pinta por aí. O governo dá formações continuadas ao professorado que muitos não aproveitam, a escola recebe recursos que muitas vezes são mal direcionados por uma gestão equivocada... Mas nem é isso que quero debater aqui...
Como intérprete, aprendi que devo ser imparcial, que a neutralidade deve fazer parte do meu trabalho e que jamais poderei agregar quaisquer juízos de valor aos acontecimentos do dia a dia. Mas, como professora, aprendi que não há neutralidade no ato de ensinar/aprender. Então, sem dissociar a professora da intérprete, vejo que a pedagogia está envolta das nossas interpretações também e da interpretação de mundo que fazemos sentir através delas.
Citando Freire, "Não existe educação neutra, toda neutralidade afirmada é uma opção escondida." Sendo assim, entendo que, ao atuar dentro de sala de aula, o(a) intérprete já não poderá ser apenas intérprete, ele(a) terá de ter um olhar pedagógico centrado e baseado em práticas que contribuam de forma efetiva na formação destes sujeitos com quem trabalha. 
O governo entende que, dentro dos processos de inclusão, o(a) intérprete dá condições de igualdade com os ouvintes aos sujeitos surdos. Dentro desta lógica, apenas a interpretação das aulas na língua de sinais viabilizaria o aprendizado da mesma forma que os outros aprendem. Isso não é possível. Definitivamente. Quem conhece a cultura surda sabe. Eles são sujeitos culturais, que vem de um histórico peculiar de vida pessoal e escolar. E isso deve ser considerado quando falamos em processos educacionais.
Desta forma, o olhar deste profissional deve ser diferenciado, deve contemplar as necessidades dos educandos como um todo, pois o(a) intérprete é a voz destes sujeitos em todos os outros espaços e não apenas na sala de aula.
Em mês de manifestações acerca da surdez e de colocações midiáticas errôneas, penso que é muito necessário que se (re)façam as reflexões a fim de que haja um esclarecimento e para engajar a luta pelo fim das práticas arbitrárias.
Sabemos que a inclusão dos surdos certamente se dá por um outro viés que não é o mesmo das outras inclusões, afinal, não estamos tratando de um déficit, mas sim de uma questão cultural que deve ser preservada e mantida. Os intérpretes são também mantenedores dessas especificidades. E é este o ponto que quero chegar. Não podemos nos abster de representá-los enquanto parte de sua comunidade, enquanto pessoas especializadas na área. Devemos ser propagadoras das informações, com a finalidade de acabarmos de uma vez por todas com as tentativas de normalização pelas quais eles passam no seu dia a dia, em suas casas, em seus locais de trabalho, na sociedade. Estou falando do olhar pedagógico, tão necessário, mas pouco utilizado. Estou falando em respeitarmos a diferença enquanto materialidade, de apoiarmos estes sujeitos para que realmente tenham um desenvolvimento pleno de suas subjetividades, estou falando em ser muito mais do que um(a) intérprete.
Muitas pessoas acreditam que penso assim porque falo de um lugar diferente, porque me tornei intérprete por ter uma filha surda, mas não é apenas isso. Reconheço de fato que isso me torna diferente, mas, no sentido totalitário, esta forma de pensar deveria permear todas as práticas envolvidas com a surdez. Não é apenas a questão familiar que me faz diferente, mas meu olhar se desloca porque acredito no que eu faço enquanto professora também. Quando disse antes que não há neutralidade, reafirmo isso no meu olhar. Acredito muito nas capacidades destes seres, acredito muito no surdo enquanto sujeito de sua própria história, narrando-se a si mesmo e não mais sendo narrado. Assim que é e assim que deveria ser.
Sou meio Dom Quixote... travo lutas solitárias dentro e fora da escola por este reconhecimento. Se acredito na inclusão? Isso só o tempo irá dizer... e este discurso não pode resumir-se em ser apenas contra ou a favor. Ele deve promover discussões, deve gerar desacomodação, deve fazer com que caminhemos, mesmo que diante de um terreno desconhecido. Sinto-me sozinha quando vejo intérpretes apenas sendo intérpretes. Há outros espaços para isso, mas certamente o espaço escolar não nos permitirá nunca que sejamos apenas isso.
Pode parecer pouco profissional da minha parte, sei que recebo críticas diárias quando falo isso, mas sou muito mais do que intérprete e professora, sou amiga, sou confidente, sou meio "mãe" de cada um dos meus alunos. E me orgulho disso! Nem sei se conseguirei provocar as mudanças que são necessárias para que a inclusão realmente se efetue, mas eu faço a diferença porque entendo que ela começa por mim, dentro de mim e nos espaços em que ocupo.
Espero, sinceramente, que o papel do(a) intérprete passe a ser (re)pensado porque a neutralidade acaba onde começa o processo de humanização dos sujeitos. Pensem nisso!
 
 
 

domingo, 9 de setembro de 2012

Almas Gêmeas - parte III

"Será fácil reconhecê-los, palavras não serão necessárias, e nem mesmo será preciso saber seus verdadeiros nomes. Saberá encontrá-los pela afinidade de suas energias, pelo chamado de seus corações e pela profunda identificação com seus sentimentos..."

Aproveitando o final da novela das seis ontem, vou falar de algumas coisas que me deixam inquieta com relação a este assunto, tão sério, mas que vem sendo banalizado por nossa cultura midiática, aliás, como todas as outras coisas sérias que perpassam nossas vidas...
Outrora, já havia publicado alguns poemas meus sobre o tema, em fases de minha vida que pensei ter encontrado a metade que me completava, iludida por leituras que fiz na época, pensei que fosse fácil, pensei que fosse possível para qualquer pobre mortal... (quem quiser ler, vá em minhas postagens mais antigas, lá terão ideia de quanto idealizei o tema).
A questão que quero abordar é que uma união cósmica não é bobagem e tampouco pode ser idealizada por quem a vive. O Universo por certo conspirará para que não aconteça, já que essa união prima pela perfeição - e perfeição existe mesmo, por um acaso? Certamente, pessoas que foram destinadas, que está escrito em algum lugar que um dia ficarão juntas, travarão batalhas muito maiores do que qualquer outra pessoa, para concretizarem isso. Vou explicar: essas pessoas virão separadas categoricamente, por longas distâncias, sejam estas distâncias em quilômetros ou culturais, se foram da Índia, por exemplo, serão de castas diferentes, se forem ocidentais, serão de cidades diferentes, ou terão diferenças tão grandes de idade, que terão de vencer a barreira do preconceito para selarem essa união. E certamente, falando em evolução, terão níveis de evolução distintos, e quando um estiver pronto, o outro não estará, quando um reconhecer, os véus do outro não terão caído ainda... Não será fácil!
Aí, você que está lendo este post deve estar se perguntando: "tá, mas e por que está falando tudo isso?" Bom, vou explicar: a novela, os filmes, idealizam o amor, de um jeito que leva as pessoas a acreditarem que, caso encontrem sua "cara-metade", viverão em perfeição, felizes para sempre, até que a morte os separe. Isso vem de tempo... Os contos de fada também nos fazem acreditar em príncipe e princesa, homens e mulheres perfeitos, pois somente eles podem viver um amor assim... 
Tenho medo deste ideal, sinceramente, pois, dentro do conceito de utopia de que fala Galeano,  de que é o que nos faz "continuar andando", acredito que muitas pessoas só conseguirão viver amores utópicos, já que, ao idealizarem o amor, quando puderem vivenciá-lo de fato, à sombra da primeira crise, cairão fora, pois não estarão prontas para enfrentarem problemas junto da pessoa amada.
E é neste ponto que quero chegar! Martha Medeiros já escreveu uma crônica falando de que só o amor não basta, em nenhuma relação. Vivemos em tempos difíceis, não podemos escapar imunes de possíveis crises financeiras, crises de identidade, crises de idade, enfim, poderia enumerar aqui, um trilhão delas, mas as pessoas, para ficarem juntas e se fortalecerem juntas, tem de estar preparadas para vivê-las juntas, então, aí só o amor não basta a si próprio. Vocês terão de ter bem mais do que isso um pelo outro para que este amor  possa durar. Respeito, confiança - confiança primeiro em si mesmo, para depois ter no outro - carinho, compreensão, fidelidade... Fidelidade? Sim, fidelidade a si mesmo, às suas ideias, aos seus ideais. Porque não adianta a pessoa largar tudo pela outra, vocês são dois, continuarão sendo dois, então, mantenham sua individualidade, isso é muito importante para que este amor sobreviva. E é muito fácil conseguir quando se tem auto confiança.
Olhem bem, meus caros leitores, não estou dizendo que não acredito que existam Almas Gêmeas, não é isso, nem que essa união não é possível, pois já conheci almas gêmeas que conseguiam ficar juntas nesta vida... Pessoas que lutaram muito para que isso acontecesse, que ficaram juntas porque batalharam uma pela outra e hoje já colhem os frutos desta união. Mas eles tem contas a pagar, ela também tem TPM, os filhos deles também dão trabalho, e eles também se incomodam em seus trabalhos. Aí que está a grande sacada disso. Não existe a perfeição, não busquem por isso, pois estarão fadados a jamais encontrarem.
Problemas todo mundo tem, eles fazem parte das nossas construções, fazem parte de quem somos e é na busca pela resolução deles que crescemos enquanto seres humanos. E, enquanto você está esperando que tudo se ajeite, que as coisas deem certo antes de concretizar este amor, certamente a pessoa que você idealiza está construindo suas próprias coisas, sozinha e você não fará mais parte delas... Lutem agora, façam por merecer esse amor e tenham em mente que a imperfeição é que nos desafia e que, assim como a utopia, nos faz andar... Seria tudo muito chato se fosse tudo perfeito!

"E no meio de tanta gente eu encontrei você
Entre tanta gente chata sem nenhuma graça, você veio
E eu que pensava que não ia me apaixonar
Nunca mais na vida
Eu podia ficar feio só perdido
Mas com você eu fico muito mais bonito
Mais esperto
E podia estar tudo agora dando errado pra mim
Mas com você dá certo
Por isso não vá embora
Por isso não me deixe nunca nunca mais
Por isso não vá, não vá embora
Por isso não me deixe nunca nunca mais
Eu podia estar sofrendo caído por aí
Mas com você eu fico muito mais feliz
Mais desperto
Eu podia estar agora sem você
Mas eu não quero, não quero..."
(Marisa Monte - Não vá embora)

quarta-feira, 18 de julho de 2012

A escola em (des)construção

O caso é grave... mais grave do que eu imaginava... Vou fazer uma pequena retrospectiva para contribuir com a reflexão que farei em seguida. Estamos falando de educação, sim, minha gente, educação, essa da qual sabemos que é capaz de transformar a sociedade em que vivemos e o mundo. Só para situar o leitor deste humilde Blog. 
Falaremos brevemente dos Parâmetros Curriculares Nacionais e a escolha de seus Temas Transversais. Notem: eu disse brevemente, porque, se tomarmos a discussão real, falaremos por horas sem esgotarmos o assunto.

 “A orientação proposta nos PCNs reconhece a importância da participação construtiva do aluno e, ao mesmo tempo, da intervenção do professor para a aprendizagem de conteúdos específicos que favoreçam o desenvolvimento das capacidades necessárias à formação do indivíduo. Ao contrário de uma concepção de ensino e aprendizagem como um processo que se desenvolve por etapas, em que a cada uma delas o conhecimento é acabado, o que se propõe é uma visão de complexidade e da provisoriedade do conhecimento. De um lado, porque o objeto do conhecimento é complexo de fato e reduzi-lo seria falsificá-lo; de outro, porque o processo cognitivo não acontece por justaposição, senão por reorganização do conhecimento. É também provisório, uma vez que não é possível chegar de imediato ao conhecimento correto, mas somente por aproximações sucessivas que permitem sua reconstrução.” (Introdução aos PCNs, 1997, p.44) 

Este pequeno trecho da minha rápida pesquisa aponta que o aluno é o principal sujeito de sua aprendizagem, deve reconhecer-se como sujeito histórico e atuante ativo na construção desta história. Ou seja, visa a visão completa e holística do ser humano e de sua formação como tal. Então, a educação, ou o processo de ensino e aprendizagem deve contemplar isso. Deve formar um cidadão.
Os Temas Transversais visam complementar a formação do aluno, saindo da visão conteudista e tendo por objetivo um "ensinar a pensar", o transformar do aluno em pesquisador, curioso e crítico, capaz de agir positivamente frente às dificuldades e desafios que encontrarem.

"Segundo o documento de Apresentação dos TTs, eles são “questões sociais consideradas relevantes”, “problemáticas sociais atuais e urgentes, consideradas de abrangência nacional e até mesmo de caráter universal” (1997, p.64). Segundo tais critérios foram selecionados:

1.      Ética
2.      Meio Ambiente
3.      Saúde
4.      Pluralidade Cultural
5.      Orientação Sexual.

Há a esperança, por parte dos idealizadores, que os TTs sejam debatidos no interior das disciplinas. O tratamento denominado transversal garantiria que os temas não fossem contemplados por apenas uma área do conhecimento, ou que constituíssem novas áreas. Todas as áreas consideradas “convencionais” são responsabilizadas pelo acolhimento das questões dos TTs. Os conteúdos e objetivos das disciplinas devem visar aos temas considerados “da convivência social”. Deste modo, é muito salientado no documento de Apresentação dos TTs que estes devem ocupar o mesmo lugar de importância que as áreas dos PCNs." 

Na realidade, quero chamar a atenção para a problemática que temos em mãos a partir da compreensão destas questões. Os TTs não foram aplicados, sequer discutidos no interior das instituições de ensino para viabilizar o que se propunha a fazer: formar seres humanos pensantes. Dentro desta premissa, hoje temos o Ensino Politécnico, que veio de certa forma impor que esta questão voltasse a ser pensada dentro das escolas. Sim, impor. Porque a simples proposta dos PCNs não foi suficiente para que as coisas acontecessem.
Penso que só assim para que os processos tenham andamento dentro das escolas. Outrora fiz uma crítica à descaracterização do EJA, para onde estão sendo encaminhados os alunos que "não deram certo no ensino regular", falta motivação, falta entusiasmo, mas e não é geral isso? Educadores também se engessam por conta de seus ditos salários baixos, também não se dão o trabalho de repensarem suas práticas porque "não ganham para isso". E agora estão se batendo, digo literalmente se batendo por conta de uma ordem que não conseguiram entender e consequentemente atender e que era tão, mas tão óbvia.
O tal do Politécnico nada mais é do que a imposição que se trabalhem os TTs dentro das salas de aula. Simples. E complicado ao mesmo tempo. Complicado porque qualquer coisa que me desacomode e que me faça (re)pensar sobre a minha prática jamais será bem vinda.
Toda essa discussão vem ao encontro do que outrora já fora apontado com a inclusão, afinal, tentar outras metodologias, fazer e refazer as práticas e planejamentos eram parte da proposta inclusiva. Enxergar o aluno como sujeito único e com necessidades e especificidades próprios. Essencial e óbvio e talvez por isso tão difícil de se colocar em prática.
Mas o que temos hoje em detrimento de toda esta questão é que as escolas seguem com suas práticas equivocadas por conta do engessamento. O que engessa o professor muitas vezes é a crítica excessiva ao alunado e também, como não poderia deixar de ser, a boa e velha desculpa do baixo salário e falta de valorização. Criaram uma nova disciplina, o "Seminário Integrado", que de integrado mesmo só tem o nome, porque na verdade segue fragmentando as áreas de conhecimento que, em vez de caminharem juntas, ainda partilham de opiniões diferenciadas no que diz respeito ao tal do projeto. O tema "Saúde" está separado das áreas de conhecimento quando tinha que estar junto, sendo pensado dentro de cada disciplina e por cada educador. O que virá depois? 
Transversalidade, interdisciplinaridade, meu povo, nada mais é do que manter um diálogo franco e aberto entre os diferentes componentes curriculares, o que por certo levaria a uma formação total do aluno, contribuindo de forma efetiva na formação de seu caráter e identidade cidadã, responsável e digna.
Por que é tão difícil assim? Porque não queremos dar este olhar diferenciado, porque é muito mais fácil eu olhar e apontar os problemas no outro do que tentar corrigí-los em mim mesmo.
Somente no momento em que os educadores e trabalhadores em educação se abrirem para a formação continuada, somente no momento em que souberem dar um olhar crítico às próprias práticas é que conseguirão prosseguir com projetos grandiosos que colocam em xeque a pergunta que não quer calar - e nem deve: "com que tipo de cidadão quero conviver em sociedade num futuro não tão distante?"

-> Contextualizando o leitor: estamos na primeira semana de férias do alunado nas escolas, período geralmente utilizado para formação continuada dos professores, chamada "Jornada Pedagógica", onde são ministradas palestras e pequenas oficinas para que possibilite uma reciclagem aos educadores. Tamanha foi minha surpresa hoje quando vi/ouvi de um dos ministrantes que a politecnia nada mais é do que trabalhar a transversalidade dentro do currículo previsto. Isso é óbvio demais, uma vez que está há anos previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Choquei! E a segunda palestra foi sobre a avaliação dentro deste "novo" contexto. Deve ser qualitativa e não quantitativa. Mais uma coisa óbvia. Deve observar os processos e não um resultado final. Afinal, se temos claros nossos objetivos e metas dentro de cada conteúdo trabalhado, sabemos também se o aluno alcançou ou não estes objetivos e o que devemos mudar para que venha alcançar. Ou seja, possibilita uma avaliação do processo do aluno e de nossa própria metodologia. Possibilita-nos oportunidades únicas de mudanças. Mas a dificuldade de fato está em revermos nossas práticas e é exatamente por isso que ainda estamos arraigados no sistema quantitativo excludente. Nossa... tão óbvio que chega a ser vergonhoso ver que alguns colegas simplesmente não conseguem se desfazer de suas práticas equivocadas. Então, me vi na obrigação deste esclarecimento. A quem interessar possa. Pois enquanto ainda tivermos pessoas desvalorizando estes momentos de reflexão, com conversas paralelas, fones de ouvido - os mesmos fones que criticam nos alunos - ridicularizando o trabalho de uma Supervisão comprometida e séria, que tenta viabilizar a instrumentação para melhoria das práticas, enquanto ainda tivermos esta total falta de comprometimento por parte de muitos educadores, seguiremos lutando por uma valorização da classe que nós mesmos não somos capazes de nos inferir... Pensem nisso, porque o movimento de mudança começa por nós mesmos...

terça-feira, 10 de julho de 2012

Relatos de uma criança

Oi...
Com licença...
Tudo bem?
Quero falar com vocês...
Eu? Eu sou tantos nomes... diferente, diferenciado, deficiente, especial, inclusão...
Mas, por favor, vamos fugir da formalidade, apenas me veja como um alguém e não se dê ao trabalho de me julgar...
Confesso que é muito difícil para mim estabelecer essa relação de troca... Por vezes eu não escuto, por outras não te vejo, às vezes nem te entendo e nem falo contigo... mas eu sinto... será que sinto?
Não sei se sou ameaçador ou ameaçado, por hora nem consigo separar o "eu" de "você"...
Eu sou aquele que muitas vezes "atrapalha" o teu plano de aula, aquele que te faz ficar horas pensando: " - O que eu faço com ele?"
Pois é... você acha que eu sei o que fazer comigo mesmo?
Você acha que sei como me silenciar quando eu tenho meus "ataques"? Você acha que eu sei o que estou procurando quando saio correndo pela escola? De repente eu esteja procurando por mim mesmo ou por você...
Você acha que eu sei como te conquistar, sendo que você nem chega perto de mim, não compreendo as tuas atividades, não acompanho o teu raciocínio, então como eu posso me tornar o teu aluno preferido? Por muitas vezes tu te considera despreparada para me receber, mas tenha a certeza de que não estás a sós...
Pois, você pensa que minha cadeira de rodas voa sobre as escadas, vocâ acha que leio pensamentos, quando não possuo audição?
Será que consigo me expressar em sinais quando ninguém presta atenção em mim? 
Como me incluir, ou me integrar, onde todos me consideram "o estranho"?
Por favor, que eu não lhes faça sentir pena, pois isso é terrível...
Eu desorganizo as estruturas, sim, pois estou desestruturado. Eu te assusto porque sou singular, entretanto esquecemos que todos somos singulares... porém a minha singularidade te causa imobilidade, impotência...

E é isso que falta...
Fechar os olhos do preconceito e encarar que É NORMAL SER DIFERENTE!!!
Eu preciso que me olhem por completo, além de minhas limitações, muito além das minhas dificuldades...
Não trace esplêndidos objetivos pedagógicos para mim... quem vai se frustrar é você... é óbvio que não vou atingí-los!
Me trate como aos demais, não se afobe, não se estresse, não se iluda e por favor não me trate como um ratinho de laboratório para ficar testando em mim todas as fórmulas encontradas!
Preciso de apoio, minha auto estima por vezes é tão rebaixada, que preciso de ajuda para constituir-me! Veja tudo o que eu consigo fazer e deixe um pouco de lado o que eu não consigo...
E, por favor, seja meu (minha) amigo (a)... e me dê a mão para que possamos ir juntos, lado a lado, nessa aventura que se tornarão os nossos dias, você me ensina como sabe e eu te mostro como entendo... e se muitas vezes eu nem estiver na sala, eu estou por aí, desbravando a escola, e eu sei se te faço falta ou não...

Me desculpe os transtornos e se algum dia eu "torrar" toda a sua paciência, te bater, te morder, fugir de você, por favor... Não vire as costas para mim, não seja mais uma a me considerar incapaz, me corrija, assim como a todos os alunos, me traga para o mundo escolar. As dúvidas surgirão todos os dias e, se um dia não souberes mais a que livros recorrer, faça como eu...
Feche seus olhos, pense em mim, não importa quem eu seja, e que deficiência eu te apresente, só pense em mim... e ouvirás uma vozinha bem fraca, que aos poucos irá aumentando dentro de você... É o seu coração. confie nele, pois ele conhece todas as verdades, pois dele veio a alma do mundo e um dia retornará a ele!

Obrigada pela atenção!

Que consigamos dar olhares diferentes para a diferenças que encontrarmos em nossos caminhos, que nossos corações possam abrir-se ao novo, sem medo do desconhecido, pois só assim conseguiremos coexistir com nossos semelhantes neste e nos próximos mundos. Estejamos preparados!

Carina, 10/07/12.




quarta-feira, 27 de junho de 2012

Let's find the magic together?: Finding yourself in the universe

Let's find the magic together?: Finding yourself in the universe: Esse é meu primeiro post, no meu primeiro blog. Tão emocionante! Como blogs tem aos montes, e eu duvido conseguir fazer com que est...


Publico em meu próprio Blog uma das maiores razões para eu seguir acreditando em milagres... Essa pessoa não saiu de dentro de mim, mas com toda certeza, se tivesse saído, não seria tão parecida comigo o quanto ela é. Renata, batizei ela em casa, numa cerimônia de poucos convidados, tinha 16 anos então e ela um ano e pouquinho... Poucas pessoas acreditaram nesse batismo... Achavam que não tinha valor porque não teve a pompa da igreja. Um batismo pagão, sem que eu tivesse consciência disso na época.. Ora vejam só! Mas o valor que teve em minha vida foi incalculável, praticamente um presente dos deuses para mim, já que com ela vieram noções de responsabilidade e compromisso, coisas que eu, "porra louca" na época, pouco ligava. Foi a minha escola de maternidade. Ter um ser tão indefeso em seus braços, sob sua responsabilidade, é uma coisa que muda sua vida para sempre, para melhor, claro... Desde então tivemos travessias diversas, por vezes seguimos caminhos distintos e por vezes nos reencontramos, novas, diferentes do que éramos, mas sempre muito parecidas... Coisas do signo, ambas aquarianas, coisas da vida, coisas do destino... Mas sei que cada vez mais vejo nela uma versão melhorada de mim mesma, do que eu fui um dia... Sim, melhorada... Graças à Deusa, ela não flerta com a Morte, ela não tem tendências suicidas (eu tinha)... Um ser raro, mas tão raro, que vejo nela o mesmo deslocamento que sinto em alguns momentos, um "não pertencimento" a este mundo que dói em mim reconhecer... Mas é um pedaço de mim que ali está. Seguindo seus próprios rumos, escrevendo sua própria história, tão longe de mim, tão perto de mim, mas caminhando, linda e forte como nunca consegui ser... Todos os dias agradeço aos deuses por este presente, que me preparou para ser mãe, que me ensinou a dividir para somar, que me permite ser parte de sua história. Também vale dizer que o amor incondicional passou a existir depois de ti e que somente você provocou mudanças das mais significativas em minha vida. Agradeço muito por isso... por tua mãe ter te confiado a mim, dinda de poucos presentes e por um batismo pagão ter ganhado proporções tão imensas em minha vida. Muito obrigada por existir! Tenho muito, mas muito orgulho de ti!

O Senhor Tempo


"Na mitologia grega, Chronos era filho Urano (o céu) e da Gaia (a terra). Incitado pela mãe e ajudado pelos irmãos, os Titãs, castrou o pai, tornando-se o primeiro rei dos deuses. Chronos reinou durante um período de prosperidade, conhecido como a Idade Dourada, porém era ameaçado por uma profecia segundo a qual seria vencido por um dos seus filhos. Para que não se cumprisse este vaticínio, Réia, mulher de Cronos, entregava-lhe os seus filhos para que este os devorasse assim que nasciam. No entanto, Réia conseguiu salvar o seu filho Zeus. Este depois de crescer destronou o pai, expulsando-o do Olimpo e libertou todos os seus irmãos. Segundo a tradição clássica, Chronos simbolizava o tempo e por isso Zeus, ao derrotá-lo, conferira a imortalidade aos deuses."

Começo o post de hoje com este pequeno resumo do mito do Titã Chronos, que, como pudemos perceber, representa o tempo. O tempo...
Muita gente acredita que o tempo é o melhor dos remédios, nos afasta de nossas dores, cura as piores feridas... Até concordo em parte com tudo isso. Creio que o tempo nos faz bem, em determinadas situações... mas em outras ele pode ser maléfico, pois também age de forma a nos afastar das pessoas e lembranças que nos são caras... Por vezes, tento relembrar de rostos que outrora eu amava e me desespera perceber que aos poucos está se apagando...
O tempo já me pregou muitas peças... me arrependi muitas vezes por não ter aproveitado mais minutos ao lado de pessoas que perdi ao longo de meu caminho... E também nasci afastada cronologicamente de pessoas que queria ter ao meu lado e a idade - a diferença de idade - não nos permite... Enfim, muitas vezes brinco com o tal do tempo, deixando para última hora compromissos importantes, que supostamente eu teria "todo o tempo do mundo" para cumprir... Deve ser por isso que tenho meu castigo... Hoje vejo que o Titã Chronos liberto do Tártaro nos retirou a eternidade...
Tenho medo do tempo, medo de como ele pode agir em nossas vidas, de como ele pode nos jogar no esquecimento, nos afastar daqueles que tanto amamos... O próprio fato de não podermos retornar no tempo nos imobiliza diante dele. Saber que determinados momentos jamais poderão ser revividos, a não ser em nossas memórias...
O futuro sempre eterna dúvida e o passado preso nas flanelas de nossos sonhos... O presente? Ahhh, o presente... sempre aquela sensação de hora errada e lugar errado... Não era para estar aqui, não era para ser assim... e poderia ser tão diferente! Não fosse o tal do tempo agindo e nos fazendo ficar vazios de significados, para nós mesmos e para os outros...
Quem dera poder retornar, consertar erros, dizer o que precisava ser dito e agora é tarde demais... A eminência de uma doença faz a gente parar para pensar nessas coisas... a vida é curta demais para a espera... E amanhã pode ser tarde demais para podermos tentar consertar as coisas... Diga hoje o que tem para dizer para quem você ama, não deixe para amanhã, fique com ela (ele) agora porque o amanhã sempre será apenas uma possibilidade... Construa seu futuro agora, no presente, porque é incerto que ele realmente aconteça... É utópico pensar que quando nos considerarmos prontos aquela pessoa ainda estará lá, nos esperando... Tenha coragem para viver cada minuto agora, e intensamente, como se fosse o último, porque você, eu, jamais saberemos quando é que realmente será o último. E a morte, essa, sim, é a única coisa certa desta vida...