"Eu disse que ela tinha um físico maravilhoso, essa mariposa noturna. É verdade. Era cheia e flexível, sinuosa, macia como uma foca. Quando corro a mão por suas nádegas, esqueço todos os problemas... Mas no instante em que comecei a fazer comparações entre seu corpo e o de Mona, percebi que era inútil prosseguir. Por mais carne e sangue que ela tivesse, não passava de carne e sangue. Nada mais havia nela além do que se podia ver e tocar, ouvir e cheirar. Com Mona, a história era completamente outra. Qualquer porção do seu corpo era capaz de me inflamar. Sua personalidade jazia tanto em sua teta esquerda, a bem dizer, quanto em seu dedo mindinho direito. A carne falava de todas as partes, de todos os ângulos. Estranho, o corpo dela não era perfeito. Mas era melodioso e provocativo. O corpo correspondia a suas disposições de espírito. Ela não tinha necessidade de exibí-lo ou espicaçá-lo, tinha apenas de habitá-lo, de sê-lo.
Havia ainda mais acerca do corpo de Mona: mudava constantemente. Bem me lembro dos dias em que vivíamos com o médico e sua família no Bronx, quando tomávamos sempre juntos um banho de chuveiro, trocávamos carícias, trepávamos o melhor possível - sob o chuveiro -, enquanto as baratas subiam e desciam pelas paredes qual exércitos em debandada. Seu corpo, então, embora eu o amasse, estava fora de forma. A carne pendia-lhe da cintura, em dobras, os seios caíam frouxos, as nádegas eram muito chatas, demasiado infantis. No entanto, aquele mesmo corpo, envolvido num vestido engomado de bolinhas, dava-lhe todo o encanto e fascínio de uma camareira de comédia. O pescoço era cheio, um pescoço colunar, como sempre o chamei, e combinava com a voz rica, escura, vibrante, que dele saía. À medida que corriam os meses e os anos, esse corpo sofria toda espécie de mudanças. Às vezes ficava tenso, esbelto, esticado como um tambor. Quase demasiado tenso, demasiado esbelto. E então ele mudava novamente, cada mudança registrando uma transformação interior de Mona, suas flutuações, seus estados de ânimo, ânsias e frustrações. Mas permanecia sempre provocativo - inteiramente vivo, suscetível, latejante, pulsando de amor, ternura, paixão. A cada dia, ele dava impressão de falar uma nova linguagem.
Que poder, então, poderia exercer sobre mim o corpo de outra mulher? Quando muito, somente um poder débil, transitório. Eu encontrara o corpo, nenhum outro me era necessário. Nenhum outro jamais me satisfaria plenamente. Não, o tipo risonho não me satisfazia. Penetrava-se neste tipo de corpo como uma faca que atravessa o papelão. O que eu almejava era o ilusório. (Esse basilisco ilusório, como eu o definia). Ilusório e insaciável ao mesmo tempo. Um corpo como o de Mona, que, quanto mais se possuía, mais se ficava possuído. Um corpo que trazia em si todas as desgraças do Egito - e seus milagres, suas maravilhas...."
Trecho retirado do livro Nexus, de Henry Miller.
Poético, Henry tem o dom de transformar as coisas carnais em poesia... O jeito que ele fala do corpo de Mona é, talvez, o que toda mulher anseia em seu íntimo, ser muito mais que amada, mas compreendida como uma alma pulsante, um ser que vive e vibra independente de qualquer outro ser. Todas oscilamos, é inerente do ser humano, mais ainda da mulher. A única anotação que fiz quando retirei este trecho do livro é que quem dera eu pudesse causar o mesmo em qualquer homem que amei ou que viesse a amar.... Quem dera....
Carina, 05/01/2011.
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